Jean-Yves Leloup

Há muitos que falam ou sonham de amor, mas poucos que atravessam a porta e começam realmente a amar.
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São os solitários e aqueles que se tornaram simples que entrarão na câmara nupcial, pois – através da unidade que eles realizaram, da solidão que eles aceitaram – eles tornaram-se capazes de encontrar o outro enquanto outro, sem reduzi-lo a suas carências e aos seus desejos. Apenas eles sabem realmente o que são as bodas.

A comunhão dos solitários é o fundo do poço que une-se ao fundo do outro poço, enquanto suas margens mantém-se distantes. “União sem confusão, sem separação” – união das pessoas na sua profundeza ou sua plenitude.

Também poderíamos ouvir o fato de que muitos estão diante da porta do Reino... mas que apenas aqueles que foram até o âmago da sua solidão, que se simplificaram até chegarem à Transparência pacífica do Ser essencial e do Ser existencial, conhecem as Bodas do Criado e do Incriado, União verdadeira “sem confusão – sem separação” entre Deus e o homem.

Velejar... (Tiago Villano)


Em águas límpidas viajo... estou velejando sem destino...
O vento e as gaivotas assopram o caminho...
Fico a pestanejar num devaneio sem fim...
Não tenho intenções, nem convicções...
Tenho apenas a mim mesmo!
E empresto minha solidão aos passageiros solidários...
Em serenidade aguardo o apito dos céus...
Onde essa imensidão sagrada toca meus sentidos...
Atentamente contemplo o asceno do horizonte,
A convocação do nada onde os tripulantes virão de longe
Logo o dia descansará para noite chegar...
Relembrando a fonte misteriosa e os enigmas da existência...
Ressoando o fugor da morte... que logo irá tragar
As memórias daqueles que souberam esperar...
Estou velejando sem destino...
Sinto apenas o vento, vejo apenas as estrelas e o negro abismo em torno delas...
Vaga-lumes me acompanham na estada do incerto...
Celebrando a instabilidade organizada onde o caos apronta seu ninho...
Acarinhando seus futuros ovos com alento e carinho...

Um poema de Pasolini

Pier Paolo Pasolini
Ao Príncipe
Se regressa o sol, se cai a tarde,
Se a noite tem um sabor de noites futuras,
Se um sono de chuva parece regressar
De tempos demasiado amados e jamais possuídos de todo,
Já não encontro felicidade nem em gozar o sofrer por si mesmo:
Já não sinto diante de mim toda a vida...
Para ser poeta há que ter muito tempo:
Horas e horas de solidão são o único modo
Para que se crie algo, que é força, abandono,
Vício, liberdade, para dar estilo ao caos.
Eu, agora, tenho pouco tempo: por culpa da morte
Que me vem em cima, no ocaso da juventude.
Porém por culpa também do nosso mundo humano
Que rouba o pão dos pobres e dos poetas da paz.

Diversidade (Tiago Villano)


Por que pessoas apenas enxergam as coisas de um ponto de vista? e se tornam tendenciosas, preconceituosas e extremistas? Porque possuem uma precária constituição existencial onde são limitadas em dar sentido as coisas, ao mundo e a vida. Quando querem refletir, refletem sobre o mesmo prisma e precisam que outros o apóiem e sirvam de espelho (está vendo? não penso sozinho! tem gente igual a mim)
Assim, infelizmente, se tornam-se engessadas e restritas diante de todas as possibilidades de sentido. Qualquer estrutura que seja ameaçada - gera angústia, insegurança, medo, solidão extrema e ansiedade agúda. Precisam de uma garantia para assegurarem sua precária estrutura existencial. Querem ser igual, aceitam apenas a quem tudo obedece e não suportam a variedade de culturas e modos de viver. E o mundo? O mundo continua mundo... nada muda para eles... tudo permanece o mesmo.

Separação, o fim de um relacionamento (Tiago Villano)



É extremamente complexo analisarmos todas as questões que envolvem uma separação mas, poderemos agora numa breve tentativa analisarmos algumas variáveis significativas do ponto de vista existencial.

O fim de um relacionamento é sempre muito doloroso e o processo de adaptação pode durar pouco tempo ou muito tempo, dependendo da constituição interna de cada pessoa.

De fato, a maioria das pessoas tendem a viver a separação como uma traição (muito embora ela possa não ter ocorrido). Em outras palavras, uma sacanagem do parceiro ou da vida. Os homens, podem demonstrar uma certa facilidade em lidar com a rejeição, no caso das mulheres ou elas chegam ao seu limite e tomam a decisão ou sofrem muito com as conseqüências de uma separação. O ponto é que muitas vezes, aqueles que sofrem a perda da pessoa amada (ou não) podem se instalar numa dúvida radical sobre eles mesmos. Além do que, preste atenção: O casamento pode ser usado como uma ferramenta que nos permite acusar alguém de nossa própria preguiça. Ou seja, se sou covarde ou tenho medo, posso dizer que desisto de meus desejos e aspirações por causa de minha parceira(o).

É comum que antes da separação a relação já esteja abalada (embora não seja regra). Prefiro acreditar que sempre é possível atravessar esse momento sem essa atitude radical, pois creio que exista (nem que seja uma fagulha) a possibilidade de ambos se transformarem nesse processo de crise, mas isso exigirá que pelo menos um dos cônjuges tenha um certo grau de maturidade.

Mas, convenhamos. Existe uma decadência inerente dos sentimentos do namoro e o casal pode se instalar numa inércia desgastante. Resultado: sempre acabamos enxergando as falhas um do outro. Além precisamos deixar de idealizar a duração de uma casal (até que a morte nos separe, amor para a vida inteira, etc). Por que? Porque podemos deixar de perceber separações que podem ser necessárias, em um processo de sofrimento eterno. Existe uma frase que nos mostra bem o que quero dizer: "... é preciso acabar com um casamento, antes que casamento acabe com você." Em alguns casos, isso é verdadeiro.

Mas, voltemos à experiência. Muitos podem se colocar em dúvida diante do mundo do tipo: Será que eu sou agradável para alguém? Será que um dia serei verdadeiramente amada(o)? A sensação de rejeição é uma experiência que pode ameaçar o que seria, já de antemão, uma precária certeza de ser aceita no mundo, uma experiência "cataclísmica", que de fato corrói todo seu ser.

As relações ditas saudáveis são aquelas onde há o respeito à pessoa. Onde não se é complacente com os defeitos do outro, onde não se procura mudar os defeitos do outro a todo custo, mas sim, se lida-se de forma leve, com tolerância e bom humor (afinal na maioria dos casos, já conhecemos a pessoa com esses defeitos). Amar é saber que o outro não esta aqui para suprir com todas as nossas expectativas e necessidades.

Infelizmente, em nossa cultura parece que todo mundo tem que aprender a se separar, só que em contra partida esquecemos que antes, devevemos aprender principalmente a se relacionar. Na maioria dos casos, percebe-se a incapacidade de se relacionar por parte de pelo menos um dos cônjuges. Ele aprende a se separar mas não (re) inventa a arte de se relacionar.

Vamos prestar atenção em discursos como: - Não conseguirei viver sem ele(a)! Não conseguirei ficar sozinha(o). Como ele(a) seguirá sua vida sem mim?". Logo, poderá vir o auto-deprezo, o sentimento de pena de si mesmo etc.

Em muitos casos, a dor sentida não se trata de amor, mas de orgulho ferido - um golpe em nossa vaidade e narcisismo, em nossa auto-afirmação: - "Como pude ser rejeitada(o), deixada(o)? Logo eu?"

O mais conflituoso de tudo serão as dúvidas sobre si mesmo que a pessoa poderá se aplacar ou seja, o que a pessoa pensará dela mesma, o juízo que terá de si. Seu amor-próprio cairá em suspenso e a angústia poderá dominar e paralisar sua vida. No fundo poderá se questionar: - "Eu me iludi achando que era importante. Como eu achei que poderia ser tão importante e agora ele(a) me deixa? Por que?

O sofrimento advém de um sentimento básico de abandono que se reflete na falta de recursos internos para lidar com a solidão, seduzindo-se com sentimentos de auto-valor e auto-importância. A pessoa se via até então como "especial" para o outro, quando na realidade o que fez foi comprar uma idéia errada de si e do companheiro que escolheu. Talvez tenha inventado seu parceiro a seu bel prazer, a seu próprio gosto e egoicamente que o outro precisava dele para sobreviver.

Logo depois do fim, a pessoa poderá nutrir sentimentos de vingança - esses derivados da sensação de ressarcimento pela perda envolvida ou mal que achou que sofreu sem merecer. Em relações doentias o que está em jogo é a junção de duas neuroses que necessitam de si para se alimentar. Nesses casos, a dificuldade em romper é maior ainda, porque a sensação escancarada é a de que - um não conseguirá sobreviver sem o outro - pois ambos precisam de si para se exorcisarem.

Por fim, depois de um tempo (que varia de acordo com cada pessoa) muitas lições poderão ser tiradas. A pessoa aprenderá que estar sozinho não significa estar abandonado. Talvez ela não tenha se dado conta de que mesmo casada já se encontrava sozinha. O que não havia era a cumplicidade de ambos compartilharem as duas solidões. Verá no processo que nada é para sempre. Que deve estar sempre preparada para as mudanças. Verá que não poderá mais se anular em detrimento do outro. Não esperará calada que o companheiro(a) descubra suas vontades, gostos e desejos sem verbalizá-los. Tudo mais tarde se transformará em um processo de amadurecimento para quem conseguir tirar as lições de todo esse sofrimento.

Amar alguém é se encantar com o jeito de ser da outra pessoa. É reconhecer que cada um possui outras urgências na vida e que um não pode girar em torno do outro. É aprender a amar, não porque ele corresponde aos nossos desejos, mas porque pode confiar, se doar, se apoiar quando necessário. É saber que o outro está conosco porque é livre, e escolheu espontaneamente estar ao nosso lado. É percebermos que não há garantias, nem certezas absolutas, mas que vale a pena. Em muitos casos, aquela sensação inexplicável de uma enamoramento também vem na hora de perceber, que o casamento já terminou faz tempo.

Desvios (Tiago Villano)



Infelizmente, o homem se tornou a medida de todas as coisas. Tudo o que existe hoje foi criado pelo próprio homem. Ele humanizou Deus e endeusou seus altares de madeira e cimento. Se diz senhor de tudo e subjulga todos os seres, criando regras e leis arbitrárias segundo sua própria necessidade mercadológica, narcisista e moralista.

Se tornou o senhor dos mestres mas, disfarça sua insegurança e fragilizade absoluta, através dos manuais de educação, de comportamento, de etiqueta e de como viver a vida. Como ele não tem como assegurar e garantir esse "como viver" acaba por construir para si discípulos, onde pode então, usufruir do seu máximo gozo; o poder! Assim, diz para si mesmo: - "Eles precisam de mim"! Os escravos, por sua vez, dizem: - "Eu preciso dele! E um dia gostaria de ser como ele"! Acabam então, não se importando em vender seu direito de escolha por uma promessa futura. Permitem serem "apedrejados", pois no fundo, querem ser também idolatrados. A parte: O preço que se pagamos em abrir mão da confiança básica para viver, amparando-se em normas e manuais de conduta sobre a vida - além de deixarem que outros decidam a vida por você - é o de carregar um eterno sentimento de culpabilidade, juatmente porque estaremos sempre em débito com nós mesmos.

Meu Deus, até quando debaixo das pontes ficará escondido a essências das águas límpidas da liberdade? Até quando ficará submerso sob o asfalto e sol escaldante o poder da Terra e de toda a vida que foi esquecida? Nossas construções materiais são como fogos de artifício e maravilham aqueles que acreditam que a Avenida Paulista é um clone do Jardim do Éden. Máquinas, virtualidade e tecnologia abafam as maravilhas do que o homem não é capaz de produzir: Natureza, silêncio e vida. Tudo está aculto, escondemos o céu sob os prédios, escondemos a terra sob nossas construções e deixamos de ver o mar, na busca desenfreada apenas por petróleo. E o homem metafísico dá risada, embriaga-se com seus estudos sobre a bolsa de valores, enquanto suas esposas cansadas da falta de atenção - deitam-se na cama de seus inimigos, enquanto seus filhos cansados da falta de amor, abrigam seus corpos em drogas. Até quando meu Deus, nós seremos cegos para a real necessidade do espírito?

Eu mesmo me perco e busco em silêncio ouvir um sopro do sagrado. Ilumine-me e abeçoe seus filhos para que possamos ajudar aqueles que nos pedem socorro. Hoje, mesmo assim, criando artefatos de segurança - chego a pensar que os loucos - andarilhos da verdade - são hoje os mais lúcidos dentre a Terra - sua loucura é uma defesa em face ao estupro que a verdade traz aos seus olhos.

Iniciei o texto com um quadro (o Semeador) de Van Gogh e agora, termino com suas palavras - as palavras de um ser humano que foi chamado de louco. Um louco maravilhosamente lúcido.


Quem não é senhor do próprio pensamento não é senhor de suas ações (...) Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar (...) O amor é eterno - a sua manifestação pode modificar-se, mas nunca a sua essência... através do amor vemos as coisas com mais tranqüilidade, e somente com essa tranqüilidade um trabalho pode ser bem sucedido (Van Gogh)


Serenidade diante do caos - SHALOM




Wakan Tanka - Grande Mistério


Ensine-me a confiar em meu coração, em minha mente, em minha intuição, em minha sabedoria interna, nos sentidos de meu corpo, nas bênçãos do meu espírito. Ensine-me a confiar nestas coisas, para que possa entrar em meu Espaço Sagrado e amar além do meu medo, e assim Caminhar com Beleza, com a passagem de cada Sol glorioso. De acordo com o Povo Nativo, o Espaço Sagrado é o espaço entre a exalação e a inspiração. Caminhar em com Beleza é ter o Céu (espiritualidade) e a Terra (físico) em Harmonia.


(enviado por Zé Luís)

Outra de Clarice



Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: - E daí? Eu adoro voar!


Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre. (Clarice Lispector - enviado por Zé Luís)

Clarice



Eu sou um ser totalmente passional. Sou movida pela emoção, pela paixão. Tenho meus desatinos. Detesto coisas mais ou menos... Não sei conviver com pessoas mais ou menos... Não sei amar mais ou menos... Não me entrego de forma mais ou menos... Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo... ESQUEÇA-ME!

Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção... ACOLHA-ME!

Se você se assusta com esse meu jeito de ser... AFASTE-SE!

Se você quiser me conhecer melhor... APROXIME-SE!

Se você não gosta de mim, IGNORE-ME!

E quando eu partir.....NÃO CHORE! (Clarice Lispector)

Jean-Yves Leloup


...Quando amamos alguém, um dos sinais de amor verdadeiro é que amamos os seus defeitos. É fácil amar os defeitos de nossos filhos. É difícil amar os defeitos dos adultos ou de nossos cônjuges. Esse amor de que falamos não significa complacência, não é dizer ao outro que me agrada o que ele tem de desagradável pois isso seria mentira e hipocrisia. O amor de que falamos é dar ao outro o direito de ser diferente. E´dar a ele o direito de experimentar sua liberdade. De experimentar em mim mesmo esta capacidade de amar o que é amável e de amar, também, o que não é amável. Dessa maneira passaremos, de uma vida submissa para uma vida escolhida...

Desertos, desertos (Jean-Yves Leloup)


CADA UM TEM SEU DESERTO A ATRAVESSAR

O que evoca para nós a palavra deserto? Silêncio, imensidão, vento abrasador? Não apenas. Evoca também sede, miragens, escorpiões... e o encontro do mais simples de si mesmo no olhar assombrado e surpreso do homem ou da criança que brota não se sabe de onde – entre as dunas?
Existem os desertos de pedras e de areias, o deserto do Hoggar, de Assekrem, de Ténéré e do Sinai e de outros lugares ainda... o deserto é sempre o alhures, o outro lugar, um alhures que nos conduz para o mais próximo de nós mesmos.
Existem os desertos na moda, onde a multidão se vai encontrar como um pode tagarela, em espaços escolhidos, onde nos serão poupadas as queimaduras do vento e as sedes radicais; deles se volta bronzeado como de uma temporada na praia, mas ainda por cima, com pretensões à “grande experiência”, que nos transformaria para sempre em “grandes nômades”...
Existem, enfim, os desertos interiores. Temos que falar deles, saber reconhecer o que apresentam de doloroso e tórrido, mas tentando também descobrir, aí, a fonte escondida, o oásis, a presença inesperada que nos recebe, debaixo de uma palmeira sorridente, em redor de uma fogueira onde a dança dos “passantes” se junta à das estrelas. Pois o deserto não constitui uma meta; é, antes, um lugar de passagem, uma travessia. Cada um, então, tem a sua própria terra prometida, sua expectativa que deverá ser frustrada, sua esperança a esclarecer.
Algumas pessoas vivem esta experiência do deserto no próprio corpo; quer isto se chame envelhecer, adoecer ou sofrer as conseqüências de um acidente. Esse deserto às vezes demora muito a ser atravessado.
Outras pessoas vivem o deserto no coração das suas relações, deserto do desejo ou do amor, das secas ou dos aborrecimentos que não aprendemos a compartilhar.
Há também os desertos da inteligência, onde o mais sábio vai esbarrar no incompreensível e o mas consciente no impensável. Só conseguimos conhecer o mundo e as suas matérias, a nós mesmos e às nossas memórias quando atravessamos os desertos.
Temos, finalmente, o deserto da fé, o crepúsculo das idéias e dos ídolos, que havíamos transformado em deuses ou em um Deus, para dar segurança às nossas impotências e abafar as nossas mais vivas perguntas.
Cada pessoa tem seu próprio deserto a atravessar. E a cada vez será necessário desmascarar as miragens e também contemplar os milagres: o instante, a aliança, a douta ignorância e a fecunda vacuidade. (Jean-Yves Leloup)

Espanto... (T.Villano)


Filosofia da Experiência

As respostas que quebram as contradições, os paradoxos são respostas ilusórias para abarcar nossa angústia e incerteza. Essas respostas desconhecem o real alcance das questões, fazendo sempre desaparecer as perguntas. A meditação é a que nos coloca dentro, no interior das próprias questões, nos mostrando o real alcance delas. É no mover-se das questões, na reflexão pura, sem a intenção de pousar em algum lugar, sem a intenção de chegar a um fim que se criam às perspectivas. O círculo das interrogações não busca a saída e sim a profundidade, tornando o desconforto da interrogação um lugar salutar, uma terra fértil de crescimento e abertura para o sagrado, para o infinito.

O senso comum não consegue observar o essencial, pois o essencial não ocupa o lugar do útil. Nossa cultura pensa a partir do valor de utilidade, o que pode ser eficiente, rápido e imediato. Quando ele se questiona pela condição de encontrar uma resposta, ele já sabe o que quer encontrar, sabe onde quer chegar. O modo de pensar ocidental pensa a verdade a partir de um senso de conveniência, num ajuste: estar adequado. Ou seja, o que se exprime deve estar em conformidade com o que se designa. O verdadeiro é o real, o falso é irreal. Tautologia preguiçosa. O critério se adequa a coisa? Ou a coisa ao critério? Não estamos mais na idade média, precisamos descobrir um outro modo de pensar e ver o ser humano, pois existe uma verdade que só diz respeito ao conhecimento.

É o sentido que vem ao encontro do homem, não o homem que vai ao sentido. Intencionalidade é o modo de ser da consciência. As coisas não podem ser reduzidas ao que queremos que elas sejam. É preciso que ela se dê num âmbito de encontro onde se dá a abertura do apresentado com o ser apresentante. Deixando a coisa se manifestar. Estar aberto é um exercício, um modo de ser. Quanto mais respeitamos a alteridade mais somos. O homem pode captar o sentido, mas não é ele que dá, que doa. Somente o homem pode se abrir e acolher o ente a partir do que ele é. O que torna possível essa abertura é a liberdade. As escrituras sagradas já diziam: a verdade liberta. Logo, a essência da verdade, o modo de ser da verdade é a liberdade. A doação prévia da coisa tal como ela é acontece se estivermos instaurados como livres dentro do aberto que vincula toda presentação. Não significa perder-se nos entes, mas, dar um passo para trás, efetuar um recuo, ter distancia para se aproximar de mim como aquele que recebe. Um ente é não livre quando esta voltado para si mesmo. Só pode se aproximar quem é capaz da distância. Abrir mão da subjetividade esvaziar-se.

O pensamento acolhe no silêncio que ouve. O pensamento se despoja a dar-se no ser.

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Um mundo cuja beleza foi enterrada pelo asfalto, pelas grandes vias, prédios e pontes sob rios de águas límpidas. Abro a porta de casa: - cadê o mundo? E o vento sussura o prelúdio de tempos de angústia. O homem é máquina? Sua essência é a dos artefatos ideológicos metafísicos? Existe algum ser humano por aí?

Power (T.Villano)


Visão máxima de nossa era. Tudo se torna uma máquina de poder (profissão, religião, inteligência, autoritades). Ninguém é mais de igual para igual. Está tudo desnivelado. Queremos controlar tudo até a Natureza e seus recursos, os animais e seus co-irmãos. E ainda não percebemos que quanto mais controle - maior o descontrole.
Tudo pode ser perdido se diante de nossa liberdade não soubermos aceitar e manter correspondêcia com nós mesmos. Explico: quando agimos de acordo com nosso "si mesmo" somos fiéis a nossos ideais e a nossas virtudes (que como diria Nietzsche - deveria ser re-inventada e sempre ultrapassada descolando-se da tradição). Todos aqueles que oferecem soluções e possibilidades de promessas e ideais pré-fabricados pelos sistemas intelectuais e racionais de nossa época, podem se perder pelo único erro e mais originário do ser humano: - poder. É possível oferecer a escada do vizinho para alcançar seu desafio?
Vemos hoje o exercício descomedido do poder. Os gregos chamavam de Hybrys (descomedimento, algo como o excesso de avidez, desejo e ganância) evidentemente essa palavra continha uma força muito maior do que nossas traduções mas, para eles, não existia essa idéia de progresso. Em que sentido? De conquista, de acúmulo de títulos, bens, status e territorialismo. Eles se contentavam com outro tipo de qualidade de vida. Hoje, há algo mais assustador: o excesso de preocupação estética. Vivemos numa geração onde a beleza externa marca seus limites. O ter em detrimento do ser. Quero ser admirado, visto, reconhecido mas, a que preço? Dominando os indícios da velhice: silicone, botox, cirurgias. O que vale é demonstrar superioridade seja ela intelectual, religiosa, financeira ou acadêmica.
Nossas relações se embobrecem pois até a forma com nos relacionamos com os outros, pais, filhos, maridos, esposas ficam contaminados pelo desejo de exercer domínio e poder. Além de tudo ser fast-food e descartável (inclusive as pessoas). Perde-se o respeito e não se conquista intimidade, afinal o poder intimida. As relações são recicláveis, descartáveis como tudo ao nosso redor. Não se cria mais raízes com nada, é tudo rápido e passageiro. Troco de mulher como troco de carro. Alguns possuem mais carros que amigos, mais celulares que tranquilidade.
Seria a hora de hora de repensarmos nosso momento histórico? Creio que sim. Vivemos em um momento de transição ecológica e não só. Todos param diante dessa avidez por novidades, dessa fome descomedida de tudo controlar e dominar. A palavra "crise" vem de uma palavra grega que significa: momento de decisão. Algo está mudando e precisa ser mudado.
Ninguém mais consegue lidar e aceitar a frustração, deve-se obter satisfação e prazer ao máximo. Não se convive mais com a dor, ela deve ser banida portanto - tome um medicamento. impotência? Viagra.
Não se gasta mais tempo comtemplando o sol, os filhos brincando na praia, construindo suas histórias em seus castelos de areia. Não se brinca mais com os animais, ao contrário - eu quero adestrá-lo ao máximo. E o outro lado? Escravizamos eles para que se tornem lucro e retorno financeiro. As igrejas, pelo poder, buscam adeptos para lucrar e conseguirem fundos - quem dá mais? Deus te recompensará. Como se Deus fosse comprável. Como se ele fosse uma pessoa que como nós, visamos o troco, o dar para o receber. Humanizamos ele.
A essência se perde, não se conhece mais nossos próprios recursos interiores para lidarmos com as dúvidas, tudo precisa ser explicado, tudo precisa ser conhecido, medido e solucionado. Mistério? Essa palavra foi banida pois a luz da razão deve iluminar todos os cantos escuros, nada deve ficar sem resposta. Não conseguimos dormir mais diante do nada e da interrogação. Deus deve ser explicado, o espírito e suas leis invisíveis decifrados. Os poetas e artistas perdem forças pois tudo é mercado. Um dia, se não sermos a mudança que queremos ver (Ghandi) seremos mais um dos produtos mercadológicos onde nos anúncios virtuais poderemos comprar companhia, maridos, filhos e amigos... mas já estamos perto disso não é mesmo...

Amparar-se (T.Villano)



Outro dia escutei um profissional dizer - "Você precisa de apoio, procure um padre, um rabino, um professor ou um mestre". Devo refletir sobre isso, e fazer uma pequena digressão.
Quando nascemos e fomos lançados ao mundo é digno que nossa vida dependa de uma mãe ou alguém que exerça seu papel. Depois precisaremos de peito e de leite materno. Assim, com o passar dos anos chegaremos a mamadeira na mamadeira e logo nas sopas e papinhas. mais anos se passam e então já aprenderemos a comer sozinhos. Quando adultos teremos que nos a ver com a solidão, a angústia e o desamparo. Logo, nos damos conta que somos ou teríamos de ser responsáveis e temos que trabalhar para nosso sustento.
Muito bem. Agora, por que um profissional aconselha um outro ser humano a regredir e procurar uma outra teta substituta, um apoio que o levará de novo a dependência e a submissão? Como adultos e seres humanos devemos ter a maturidade de incentivar esse ser humano a encontar apoio sim, mas em si mesmo. Por que não ensinar a construir para si recursos internos que possibilitem que esse homem, encontre amparo em seu desamparo e faça de sua solidão um lindo jardim? Ele já não pertence ao reino da infância e se pertencer, que possamos ajudá-lo, sem reforçar a dependência, a resgatá-lo no estágio onde se perdeu, onde se estagnou para assim devolver-lhe os caminhos onde sua maturidade poderá lhe ser devolvida - ele e só ele poderá chegar nesse caminho.
O que fazemos é apenas lhe dar espaço, ouvir e abarcar sua angústia, seu desespero - para então, devolver-lhe a si mesmo. Depois que abarcarmos o seu terror e o devolver-mos a si próprio, com caminhos menos nebulosos e com pensamentos mais serenos -caberá a ele decidir, escolher. Devemos ajudá-lo a se responsabilizar por suas escolhas e por suas decisões, não a deixar que um Padre, um rabido, um professor ou um mestre, tome decisões por ele, faça escolhas por ele e reforce um estado de inutilidade e descrença em sua própria força e em seu próprio vigor.
Devemos estar solícitos as suas necessidades e assim, fazê-lo recuperar sua dignidade, equilíbrio e força interior. Para então de uma vez por todas ser ele novamente senhor de si mesmo, sem se fechar a dor, pois por onde ela entra, também entra a alegria. Mas, não é fácil viver, a existência é um diamante precioso, onde a lapidação se torna um esforço contínuo.
Como dizia o poeta: "Se você quer organizar seu país, organize suas cidades. Se você quer organizar suas cidades, organize seus estados. Se você quer organizar seus estados, organize suas famílias. E por fim, se você quer organizar suas famílias - ORGANIZE A SI MESMO.

Oração dos Pequenos (T.Villano)


Pai, por favor, peço nessas palavras que o senhor, às vezes, possa dar-me o direito à açoita, a ira e a indignação. Zangue-se comigo porque eu me zango. Leve a desgraça do mundo como o vento leva as folhas secas das árvores.

Deixe-me nú diante de ti. Deixe-me viver os dias com a mesma juventude de meus filhos. Conceda-me, às vezes, a boemia . Faça-me poder sempre ter amor em meu coração e não dá-lo a quem não tem ternura e cordialidade. Deixe-me sempre um gole de vinho em minha taça. Faça-me ver o mundo do avesso e ainda assim encontrar beleza em tudo o que vejo.

Faça-me perder o medo do do homem e acreditar que o demônio vive apenas dentro dele. Exorcise os seres humanos criados ao ódio, ao julgamento e a condenação, eles no fundo querem apenas condenar o demônio que não reconhecem dentro de si. Não deixe que me ensinem a vida, pois como dizia Rilke, eles nos ensinam a vida deles.

Feche a porta à mendicancia e deixe que todos possam brilhar na luz que reflete sua presença. Carregue um pouco minha dor, eu me orgulho muito dela e de todo meu sofrimento mas, devolva-me em seguida para que possa sempre me lembrar do que não devo me tornar. Devolva a dor daqueles que estão vazios e em angústia.

Pague a vingança dos que merecem. Devolva a dignidade dos homens de bem. Leve-me ao mar, deixe com que nele eu possa ter mais filhos sob a espuma branca de suas ondas. Dá-me a lua como amante, pois ela é sempre a mesma e volta todas as noites com sorrisos diferentes. Não abandona e jamais perde o brilho.

Faça de uma vez por todas - tudo perder o sentido - para que então, com a verdade escancarada, o ser humano possa voltar à sua origem. A verdade como um soco na boca do estômago - desvelamento. E que ao recuperarmos o ar, possamos juntos recuperar a diversidade e aceitar o mistério da luz e da escuridão, amantes desde a fundação do mundo.

Ensine os homens a morrer. Mostre-os que eles precisam ter uma razão para morrer, pois não terão razão para viver. Faça-nos abandonar a ânsia pela certeza, pois ela cega, causa a guerra e destrói homens em fogueiras. Sua busca descomedida - a hybris dos gregos - traz o preconceito, a separação e a discriminação. Atira aviões em homens de bem, estoura bombas humanas em crianças e inocentes.

Livrai os homens da ânsia de poder, que escraviza os animais e subjuga a natureza. Não nos deixe menosprezar suas criaturas. Ajude-nos a viver em comunhão com tudo o que é sagrado. Livrai-nos do medo e dos interesses egoístas. Me deixe ter leveza nos pés para que possamos viajar e conhecer as maravilhas de sua glória sem nos cansar. Pai, tudo o que há na terra e no céu é um reflexo de sua beleza. Faça-nos acreditar que podemos ser criadores de um novo lar. Deixe-nos abandonar a vaidade e a presunção.

Faça-nos adimitir que não há importância em sabermos tudo e termos absolutismo em nossos ideais. Assim, quando um dia eu descansar, terei paz quando meus filhos estarem na Terra. Traga aos homens não a arrogância de certezas absolutas mas a capacidade de questionar e duvidar. Ajude-nos a sempre mantermos longe o materialismo infantil que a sociedade criou com auxílio das convenções.

O Senhor nos deu asas, não deixe com que seus filhos humanos criem gaiolas. Nos livre do bezerro de Ouro e todos os rituais que possam a ele se assemelhar. Que sejamos livres, leves e prenhes de criatividade benevolente. Livres das tradições. Que teu filho esteje sempre presente, guiando-os à plenitude de uma vida com autosuficiência, amor e equilíbrio. Não me deixe sofrer em meus últimos minutos Pai e que tua mão me leve ao berço da paz, onde dormirei tranquilo sob a canção de ninar de suas hóstias celestiais.

Agora descanso em meu sono, com sonhos futuros e de paz a todos os homens. Aqueles que em nome do amor causam o mal, não preciso que me aceitem, mas que me respeitem - minha casa estará sempre aberta à todos.

Obrigado Pai, Amém.

A dificuldade de dizer Não (ou sim) - C.Calligaris


A dificuldade de dizer Não (ou sim)

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A necessidade narcisista de sermos amados nos torna covardes e nos leva a assentir
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DURANTE TODA minha infância, eu dizia "não" mesmo quando queria dizer "sim".

Usava o não como uma palavra de apoio, uma maneira de começar a falar. Minha mãe: "Vou sair para fazer compras; algo que você gostaria para o jantar?". Eu, enérgico: "Não", acrescentando imediatamente: "Sim, estou a fim de ovos fritos (ou sei lá o quê)".

Os adultos tentavam me corrigir: "Então, é sim ou não?". "Não, é sim", eu respondia.

Entendi esse meu hábito muito mais tarde, quando li "O Não e o Sim", de René Spitz (ed. Martins Fontes). No fim da faculdade, Spitz era um dos meus autores preferidos, o único, ao meu ver, que conciliava a psicanálise com o estudo experimental do desenvolvimento infantil. No livro, pequeno e crucial, Spitz nota que, nas crianças, o uso do "não" aparece por volta do décimo oitavo mês de vida, logo quando elas costumam falar de si na terceira pessoa, como se precisassem (e conseguissem, enfim) se enxergar como seres distintos dos outros.

Para Spitz, a aquisição da capacidade de dizer "não" é um grande evento da primeira época da vida: a conquista da primeira palavra que serve para dialogar e não só para designar um objeto.
Mas, cuidado, especialmente no segundo ano de vida, o "não" teimoso da criança não significa que ela discorde do que está lhe sendo proposto ou imposto: a criança diz "não" para afirmar que, mesmo ao concordar ou obedecer, ela está exercendo sua própria vontade, a qual não se confunde com a do adulto.

Em suma, durante muito tempo, eu persisti na atitude de meus dois anos. Mais tarde, consegui me corrigir. Mas em termos; sobrou-me uma paixão pelas adversativas: mal consigo dizer "sim" sem acrescentar um "mas" que limita meu consentimento. É um jeito de dizer que aceito, mas minha aceitação não é incondicional. "Vamos ao cinema?". "Sim, mas à noite, não agora."

O uso do sim e do não, no discurso de cada um de nós, pode ser um indicador psicológico valioso.
Mas, para isso, é preciso distinguir entre "sim" e "não" "objetivos", que têm a ver com a questão da qual se trata (quero ou não tomar café ou votar nas próximas eleições), e "sim" e "não" "subjetivos", que são abstratos, ou seja, que expressam uma disposição de quem fala, quase sem levar em conta o que está sendo negado ou afirmado.

Se o "não" subjetivo é um grito de independência, o "sim" subjetivo é uma covardia, consiste em concordar para evitar os inconvenientes de uma negativa que aborreceria nosso interlocutor.

Alguns exemplos desse "sim" covarde (e, em geral, objetivamente mentiroso). "Respondeu à minha carta?" "Sim, já mandei." "Gostou de minha performance?" "Sim, adorei." "Quer me ver de novo?" "Sim, te ligo amanhã." Mas também: "Você vai assinar a petição para expulsar os judeus do ensino público?" "Claro, claro, estou assinando."

Acontece que dizer "não" é arriscado. A confusão com o outro, aquela confusão que ameaça a primeira infância e contra a qual se erguia nosso "não" abstrato e rebelde, é substituída, com o passar do tempo, por mil dependências afetivas: "Desde os meus dois anos, não sou você, não me confundo com você, existo separadamente, mas, se eu perder seu amor (sua amizade, sua simpatia, sua benevolência), quem reconhecerá que existo? Será que posso existir sem a aprovação dos outros?".

Em suma, o sim subjetivo é um consentimento abstrato (o objeto de consenso é indiferente e pode ser monstruoso), pois o que importa é agradar ao outro, não perder sua consideração. A necessidade narcisista de sermos amados nos torna covardes e nos leva a assentir.

Por sua vez, nossa covardia fomenta explosões negativas, tanto mais violentas quanto mais nossa concordância foi preguiçosa. À força de dizer "sim" para que o outro goste de mim, eu corro o perigo de me perder e, de repente, posso apelar à negação abstrata, espalhafatosa e violenta, só para mostrar que não me confundo com o outro, penso com a minha cabeça.

Bom, Spitz tinha razão, o uso do não e do sim permitem o diálogo humano. Mas é um diálogo que (sejamos otimistas) nem sempre tem a ver com as questões que estão sendo discutidas; ele tem mais a ver com uma necessidade subjetiva: digo "não" para me separar do outro ou digo "sim" para obter dele um olhar agradecido. Nos dois casos, tento apenas alimentar a ilusão de que existo.

Frases


"A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas". (Proust)

"Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras."(Proust)

"E nenhum poema será tão grande, tão nobre, tão verdadeiramente digno do nome de poesia quanto aquele que foi escrito tão só e apenas pelo prazer de escrever um poema". (Edgar Allan Poe)

"As quatro condições elementares para a felicidade são: vida ao ar livre, amor de mulher, ausência de qualquer ambição e a criação de um novo e belo ideal." (Edgar Allan Poe)

Toma-me

Tome-me todo. Sou teu de dia e sou teu de noite. Quando sonho, durmo contigo. Toma-me todo. Suga-me e me torne cinzas, pois dela renasço. Ponha-me em teu seio, faça-me beber de teus líquidos e deixe-me afogar em teus beijos. Abra-me pelo avesso e deixe que dentro de ti eu desabroche. Me trague e aspire como fumaça na luz resplandecente do dia e no escuro sublime das noites. Leve-me como sombra e me trague a pequena morte todos os dias. Grite e sussurre em mim, me deixe adormecer em seus gemidos. Toma-me todo, pois assim desejo e esse desejo não tem fim. Toma-me todo, leve-me a loucura, deixe-me enlouquecer entre suas pernas. Massageie seus pés em mim, beba-me como o primeiro e o último gole de vinho. Não se sacie, transborde em mim sua saliva e faça em mim o seu ninho... nas folhas secas de outono de amor e mistério. Faça-me fechar os olhos e deixe que pela manhã minha boca conduza nossas almas ao paraíso, lá onde os corvos não se aninham. Toma-me todo. Arrepia-me e cuspa sob a áurea da eternidade o que há de mais puro e nostálgico. É lá onde quero ficar, dormir e descansar. Toma-me, toma-me todo. E que assim seja até o dia em que em meu túmulo eu possa debaixo da terra sentir a chuva cair...

Discordar de nosso próprio desejo (Contardo Calligaris)


Folha de São Paulo, 20 de agosto de 2009.
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Um terapeuta deve deixar suas opiniões e crenças no vestiário do consultório, a cada dia
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EM 31 de julho, o Conselho Federal de Psicologia repreendeu a psicóloga Rozângela Alves Justino por ela oferecer uma terapia para mudar a orientação sexual de pacientes homossexuais. Não quero discutir a "possibilidade" desse tipo de "cura" (afinal, reprimir o desejo dos outros e o nosso próprio é uma atividade humana tradicional), mas me interessa dizer por que concordo com a decisão do Conselho.

A revista "Veja" de 12 de agosto publicou uma entrevista com Alves Justino, na qual ela explica sua posição. No fim, a psicóloga manifesta seu temor do complô de um "poder nazista de controle mundial", que estaria querendo "criar uma nova raça e eliminar pessoas", graças a políticas abortistas, propagação de doenças sexualmente transmissíveis etc.

Para ser psicoterapeuta, não é obrigatório (talvez nem seja aconselhável) gozar de perfeita sanidade mental. É possível, por exemplo, que um esquizofrênico, mesmo muito dissociado, seja um excelente psicoterapeuta (há casos ilustres). Mas uma coisa é certa: para ser terapeuta, ser inspirado por um conjunto organizado de ideias persecutórias é uma franca contraindicação.

Na verdade, pouco importa que as ideias em questão sejam ou não persecutórias e delirantes: de um terapeuta, espera-se que ele deixe suas opiniões e crenças (morais, religiosas, políticas) no vestiário de seu consultório, a cada manhã. Quando, por qualquer razão, isso resultar difícil ao terapeuta, e ele sentir a vontade irresistível de converter o paciente a suas ideias, o terapeuta deve desistir e encaminhar o caso para um colega. Por quê?

Alves Justino, com sua aversão por homossexualidade, sadomasoquismo e outras fantasias sexuais, ilustra a regra que acabo de expor. Explico.

A psicóloga defende sua prática afirmando que a psiquiatria e a psicologia admitem a existência de uma patologia, dita "homossexualidade ego-distônica", que significa o seguinte: o paciente não concorda com sua própria homossexualidade, e essa discordância é, para ele, uma fonte de sofrimento que poderíamos aliviar -por exemplo, conclui Alves Justino, reprimindo a homossexualidade.

De fato, atualmente, psiquiatria e psicologia reconhecem a existência, como patologia, da "orientação sexual ego-distônica"; nesse quadro, alguém sofre por discordar de sua orientação sexual no sentido mais amplo: fantasias, escolha do sexo do parceiro, hábitos masturbatórios etc. Existe, em suma, um sofrimento que consiste em discordar das formas de nosso próprio desejo sexual, seja ele qual for (alguém pode sofrer até por discordar de sua "normalidade"). Pois bem, nesses casos, o que é esperado de um terapeuta?

Imaginemos um nutricionista que receba uma paciente que se queixa de seu excesso de peso, enquanto ela apresenta uma magreza inquietante: ela tem asco da forma de seu próprio corpo, que ela percebe como enorme e que ela não aceita como seu. O nutricionista não tentará nem emagrecer nem engordar sua paciente, pois o problema dela não é o peso corporal, mas o fato de que ela discorda de si mesma a ponto de não conseguir enxergar seu corpo como ele é.

No caso da orientação sexual ego-distônica, vale o mesmo princípio: o problema do paciente não é seu desejo sexual específico, mas o fato de que ele não consegue concordar com seu próprio desejo, seja ele qual for. As razões possíveis dessa discordância são múltiplas. Por exemplo, posso discordar de meu desejo sexual porque ele torna minha vida impossível numa sociedade que o reprime (moral ou judicialmente) e cujas regras interiorizei. Ou posso discordar de meu desejo porque ele não corresponde a expectativas de meus pais que se tornaram minhas próprias. E por aí vai.

Nesses casos, o terapeuta que tentar resolver o problema confiando em sua visão do mundo e propondo-se "endireitar" o desejo de quem o consulta, de fato, só agudizará o conflito (consciente ou inconsciente) do qual o paciente sofre. Ora, é esse conflito que o terapeuta deve entender e, se não resolver, amenizar, ou seja, negociar em novos termos, menos custosos para o paciente. Em outras palavras, diante da ego-distonia, o terapeuta não pode tomar partido nem pelo desejo sexual do paciente, nem pelas instâncias que discordam dele.

Ou melhor, ele pode, sim, só que, se agir assim, ele deixa de ser terapeuta e vira militante, padre ou pastor.

Cinza


Hoje o céu acordou cinzento. Abri minha janela, preparei meu café... e sem querer comecei a contemplar esse céu triste e melancólico. Na verdade ele é de uma beleza rara. O sol escondido atrás das sombrias nuvens de prata... dissipa as trevas e a ilumina. As partículas ínfimas de chuva, uma garoa rasa que sinto em meu rosto... O vento gelado, o som dos pássaros sempre dispostos à música... Tudo fica de repente introspectivo... Tudo ao redor se torna sabedoria, reflexão, comunhão... Esse tempo me solicita à poesia, me convida à solidão, onde posso durante horas rastrear dentro de mim pedaços perdidos de uma existencia cambaleante... rir, chorar, lembrar, inventar, sofrer, amar, querer viver, querer dormir, amigos, família, vivos e mortos preenchem nossas vidas... mas por um momento o mais estranho de tudo é um sentimento de saudade... que me traz consolo e alegria só que ao mesmo tempo assombro: afinal, sinto saudades de nada, de tudo e de algo que ainda não sei o nome... volto ao meu café e descubro: - Sou eu, ausência preenchida...

Ah... O Sofrer... (T. Villano)


Por que, às vezes, sabemos o que nos fará sofrer e mesmo assim corremos em sua direção?

Por que aquilo que mais nos fere ou feriu ainda persiste? Por que simplesmente pensamos com amor próprio o suficiente para esquecer quem não foi capaz de nos amar, quem nos despreza, quem dispensa nossa presença?

Deu uma segunda chance? Sofrimento... Voltou a procurar aquela pessoa que no fundo você mesmo sabia que não deveria? Sofrimento...

Acho que no fundo devemos nos livrar do sentimento de esperança. Devemos esquecer aquele sentimento que diz: se eu tivesse agido assim ou de outro jeito, talvez as coisas seriam diferentes... Não seriam, sabem por que? Porque não existe um manual a seguir que nos garanta que dará certo. O ser humano escapa as regras, as teorias... Se der certo dará! Não há garantias e é isso o que faz da vida uma caixa de surpresas, e por vezes, uma caixa de Pandora. Mas de que valeria a pena se soubéssemos cada passo a seguir? Se soubéssemos tudo o que fosse acontecer conosco? Muitas vezes ficaríamos felizes antecipadamente e outras, sofreríamos terrivelmente antes da tragédia.

Como diria um velho mestre: “A esperança é o pior dos males”. Nos conta ele que é por causa da esperança que deixamos de viver o momento presente, que nos resignamos e paralisamos nossa vida num eterno es-perar... Ás vezes podemos realmente estar buscando sofrer intencionalmente ou intencionalmente para talvez nos livramos do tédio ou da chatice de nossas vidas... Confrontamos assim os momentos bons com os ruins. Queremos na realidade a resposta ao grande paradoxo da existência, queremos a árvore do conhecimento que nos reconduziria a reconstrução dos pedaços quebrados do vaso de nossa vida. Mas, quando algo se quebra, farelos e lascas sempre ficarão irrecuperáveis. Então, sonhar é a única saída... e quando despertarmos, que venha a vida com toda a sua beleza e com toda a sua tragédia... que as feridas se curem...

Para Além da curva da estrada - Fernando Pessoa


Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma...

Clarice, sempre ela...


Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: - E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre... (Clarice Lispector)

Obediência


O que há de ético na obediência? Se a meta de alguém for a simples obediência, poderia um cão ser treinado para preencher os mesmos requisitos. Na verdade, o cão teria mais ética uma vez que não pode carregar consigo a possibilidade de uma explosão neurótica, na forma de um acidente de desobediência ou um protesto contra uma liberdade reprimida ou negada (Rollo May)

Ordem...


Se tal cidade existe no céu ou existirá um dia na terra, o sábio viverá à sua maneira e não quererá saber de qualquer outra, assim colocará em ordem a sua casa (Sócrates)

Importa?


Apenas o amor é capaz de abafar a loucura do mundo. Deixá-lo mais suportável, com mais esperança, com mais fé, mais coragem e mais vida. Aquilo que se acredita mas, não se tem certeza. Aquilo que se deseja mas, não necessita. Aquilo que se sonha mas, não vale a pena. Aquilo que se suporta mas, não sabe-se por que. Aquilo que nasce mas, não se sabe se irá crescer. Aquilo que é dádiva gratuita, sem nada querer em troca. Aquilo que é lúcido mas, não se entende. Tudo se torna efêmero e também ambíguo quando se ama.

Quero beber das águas de todos os rios. Nadar nos mares e oceanos mais profundos. Só eu e você. Porque tenho amigos que não são amigos de ninguém. E os que tenho são irmãos. levo-os juntos também, mas não sei se todos estarão prontos para esse mergulho. Nadar na plenitude da vida. Na imensidão do universo que carrega em si o infinito. Aquilo onde olhamos abismados, dependurados pela corda que nos separa da eternidade, do grande abismo que é o infinito. Será que nele existe a resposta para os enigmas da existência? Não. Não é necessário respostas. Basta viver na simplicidade de tudo o que realmente é necessário. Beijar a flor de lótus que flutua sobre a superfície límpida da vida. Lá onde o vazio nos contagia, aonde a vida vale a pena e a sensação de paz traz o aconhego de saber que o que importa é realmente amar. (Tiago Villano)

Guimarães Rosa


Comigo as coisas não tem hoje e ant’ontem amanhã: é sempre. (...) O senhor por ora mal me entende, se é que no fim me entenderá. Mas a vida não é entendível.

É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.

Quando me disseste que não mais me amavas,e que ias partir,dura, precisa, bela e inabalável,com a impassibilidade de um executor, dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias... Mas olhei-te bem nos olhos,belos como o veludo das lagartas verdes, e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos, tive pena de ti, de mim, de todos, e me ri da inutilidade das torturas predestinadas, guardadas para nós, desde a treva das épocas, quando a inexperiência dos Deuses ainda não criara o mundo...

Crônica do Amor (Arnaldo Jabor)


Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem noódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem amenor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucurapor computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

Do livro "Cânticos" (Cecília Meirelles)


Tu tens medo:
acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno. (Cecília Meirelles)

Elogio à mulher


A mulher é uma substância tal, que, por mais que a estudes, sempre encontrarás nela alguma coisa totalmente nova. (Tostoi)

O ser humano é o único animal cuja a mulher pertence a outra espécie (Freud)

A mulher é uma substância tal, que, por mais que a estudes, sempre encontrarás nela alguma coisa totalmente nova. (Tostoi)
Aquele que conheceu apenas a sua mulher, e a amou, sabe mais de mulheres do que aquele que conheceu mil (Tostoi)

Para a mulher, toda reforma, toda salvação de qualquer tipo de ruína e toda renovação moral está no amor. (Dostoievski)

As pessoas me perguntam o que eu procuro nas mulheres. Eu procuro por mim. (Gene Simmons)

Quem não sabe aceitar as pequenas falhas das mulheres não aproveitará suas grandes virtudes (Khalil Gibran)

A felicidade é mulher (Nietszche)

A mulher é a poesia de Deus; o homem a simples prosa. (Napoleão)

É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música (Balzac)

Mães (Tostoi)


Compreender tudo é tudo perdoar
Mães vós tendes em suas mãos, a salvação do mundo
Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.
A mulher que não sabe ser feliz em casa não será nunca feliz. (L. Tostoi)

Happy (Michael Jackson)


A tristeza estava tão perto quanto um parente próximo. Então a felicidade veio um dia e mandou embora minha melancolia. Minha vida tornou-se um alegre sorriso, terno como um doce para uma criança. Fique aqui e me ame por algum tempo.

Deixe a tristeza ver o que a alegria faz. Deixe a alegria ficar onde a tristeza estava. Sou tão feliz porque você fez minha vida nova. Perdido como uma ilha eu estava. Por onde eu estava? Com o tempo da vida se extinguindo-se... Suspenso entre tempo e espaço... Sozinho até que a felicidade sorriu para mim, a tristeza soube seu lugar.

Eu orei em silêncio...

A Importancia da Maternidade


“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].” (Clarice Lispector)

A Certeza do Divino


“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.” (Clarice Lispector)

Amadurecer (Tiago Villano)


Com o tempo amadurecemos (tudo bem, alguns não). Mas, de certa forma vamos aprendendo a digerir e entender como as coisas (acontecimentos) se desenrolam. Às vezes, passamos muito tempo nos perguntando como e porque isso aconteceu. Alguém que nos deixou, amigos ou pessoas queridas que se vão. Mas, entender nem sempre é possível e se isso permanecer, nosso sofrimento será exagerado e em vão. Todos temos que encerrar capítulos de nossas vidas e na hora necessária: - nossa própria vida. Somos egoístas, queremos que as pessoas fiquem para sempre e de preferência conosco. Mas, a vida dos outros também tem outras exigências, urgências. Alguns precisam partir, outros precisam morrer. Às vezes, temos que deixar e aprender que algumas pessoas precisam ir embora. Nossa companhia talvez não seja mais apreciada pela pessoa que amamos, ela precisa viver sua vida e nós a nossa. Ninguém é completo e ninguém pode ser tudo em nossa vida. Se nossa vida girar em torno de uma pessoa, seremos dependentes, imaturos e com certeza sofreremos horrores. Precisamos entender porque isso acontece. Será que somos inseguros? Será que não conseguimos encarar a angústia e precisamos depositar numa ilusão a segurança imaginária de um porto seguro? Solidão? Carência? Muitas podem ser as explicações, mas o fato é que essa resposta se encontra dentro de nós mesmos. Essa resposta e todas as outras. Tudo passa, o mundo gira e o tempo não pára, seria diferente com as pessoas?

O que fazer? Deixar que elas realmente possam ir embora... O mundo que vemos é uma manifestação do mundo invisível de nossa realidade interior. Precisamos mudar e desfazer algumas coisas para que também e ao mesmo tempo, consigamos abrir espaços para que outras coisas (pessoas) preencham seus lugares, ganhem e conquistem novos espaços. Fernando Pessoa dizia: "O mundo exterior é um reflexo de nossa realidade interior"

A vida é marcada de intervalos - impermanencia perpétua. Mas muitos prometem a felicidade: a televisão vende encenações de alegrias, promessas vazias. Com o tempo, aprendemos que nossa vida se assemelha a natureza e junto caminha a ela. Se escravizamos e maltratamos a natureza com artifícios de poder e submissão, fazemos isso também com o mundo e com as pessoas. Em nossa vida, também caminhamos cheios de ciclos – primavera, verão, outono, inverno. Precisamos deixar que as coisas possam ir, passar, terminar. Afinal a vida só se vive no milagre de cada dia, no instante mágico do despertar: a noite se foi, o dia chegou. Perdoe os outros e também a si mesmo. Somos companheiros de viagem com destinos variados. Podemos encontrar viajantes que aspiram vidas “semelhantes” mas jamais iguais. Dor e sofrimento serão necessários para encobrir as alegrias que logo virão (se permitirmos que venham). Nossa vida só depende de nós mesmos, apenas nós somos responsáveis por nós mesmos, somente nós podemos tomar nossas decisões e agüentar a angústia necessária para o crescimento. Nós teremos que viver nossa própria vida e quando o inverno intenso chegar, somente nós teremos que morrer nossa própria morte. Para que tudo seja mais leve, desapegue-se e aceite quando será o momento necessário para findar, terminar, seguir em frente ou descansar. Viva em comunhão com tudo o que é vida. Respeite o próximo, ame seus filhos (mesmo que ele não correspondam aos seus sonhos) e alcance uma relação com o sagrado.


Bons sonhos, boa noite é hora de dormir.

O essencial (Tiago Villano)


Continuo regando as plantas de meu jardim. Nele existem muitas flores e folhas: gardênias, jasmim, bromélias, girasol, gerbera, lírios, margaridas, rosas e tulipas. Encontro muitas paz com os pés na terra e o ar puro das estações. A chuva que chega, o sol que nasce, a noite que cobre. Tudo nos fala da vida. Ela é uma variação: as estações do ano. Inconstância. Impermanência perpétua. Beleza e galhos secos. Os seres humanos, ocupados demais com suas convenções, esqueceram de olhar para a terra. Querem dominá-la e extrair seus recursos num poderio sem fim. Tudo fala em nome de alguma autoridade, deve-se obedecer e pronto. Narcotização.

Será que algum dia encontrarei um ser humano de verdade. Não aquele disposto a comprar a tranquilidade de sua consciência querendo, num egoísmo estético, se achar no direito de corrigir o mundo e todas as pessoas. Todos estão errados, menos ele, que fala do lugar inatingivel de seu título. Olha com uma desconfiança básica, mas demonstra um falso otimismo. Foge de si, não se conhece e odeia tudo relacionado ao corpo e a terra. Ele quer dos céus outro mundo pra viver. Perde-se a beleza, inventa-se risos e alegrias construídas por sonhos e certezas.

Um dia sairei de noite cantando ao mundo a canção da vida! Verei pessoas inteiras, verdadeiras. Um olhar que não seja construído pela arrogância de um título ou de um diploma. Que nos olhe sem a contaminação dos preconceitos, sem rótulos, sem água oxigenada, sem diagnósticos, sem títulos, sem rótulos. Com a simplicidade das plantas e das flores do meu jardim. Procuro alguém que me possa oferecer companhia gartuita, generosidade e transparência. Sem discursos ideológicos, prontos e cheios de artefatos intelectuais. Quero um homem-tempestade, que deixe falar sua indignação, que traga a luz a sua experiência! Que traga à luz o que esconde atrás da cortina. Que me olhe e me abrace com uma sorriso sem exigências. Que brinque de si mesmo e que não se leve a sério. Que não olhe tudo com a seriedade de uma prepotência garantida pela segurança ilusória do conforto, da estagnação, da resignação. Alguém que revolucione, que construa novos valores. Que se deixe ser tocados pelas coisas, que se assombre com a complexidade da vida ao invés de tentar explicar e falar de SUA vida. Como diria o poeta: Jamais alguém deveria nos ensinar a viver: pois ele nos ensinará a viver sua própria vida.

Chega! O mundo me espera. Tic-tac... o relógio não para. Mas para quem vive na orla do tempo, na extremidade do mundo, o tempo é mais uma construção distrativa do essencial...

Do conhecimento e da Experiência (Tiago Villano)


As respostas que quebram as contradições e os paradoxos são respostas ilusórias para abarcar nossa angústia, insegurança e incerteza. Essas respostas desconhecem o real alcance das questões, fazendo sempre desaparecer as próprias perguntas. A meditação é a que nos coloca dentro, no interior das próprias questões, nos mostrando o real alcance delas. É no mover-se das questões, na reflexão pura, sem a intenção de pousar em algum lugar, sem a intenção de chegar a um fim, que se criam às perspectivas. O círculo das interrogações não busca a saída e sim a profundidade, tornando o desconforto da interrogação um lugar salutar, uma terra fértil de crescimento e abertura para o sagrado, para o infinito.

O senso comum não consegue observar o essencial, pois o essencial não ocupa o lugar do útil. Nossa cultura pensa a partir do valor de utilidade, o que pode ser eficiente, rápido e imediato. Quando o homem atual se questiona pela condição de encontrar uma resposta, ele já sabe o que quer encontrar, sabe onde quer chegar. O modo de pensar ocidental pensa a verdade a partir de um senso de conveniência, num ajuste: estar adequado. Ou seja, o que se exprime deve estar em conformidade com o que se designa. O verdadeiro é o real, o falso é irreal. Tautologia preguiçosa. O critério se adequa a coisa? Ou a coisa ao critério? Não estamos mais na idade média, precisamos descobrir um outro modo de pensar e ver o ser humano, pois existe a verdade que só diz respeito ao conhecimento, ao intelecto. E outra mais profunda, mais essencial.

É o sentido que vem ao encontro do homem, não o homem que vai ao sentido. Intencionalidade é o modo de ser da consciência. As coisas não podem ser reduzidas ao que queremos que elas sejam. É preciso que ela se dê num âmbito de encontro onde se dá a abertura do apresentado com o ser apresentante. Deixando a coisa se manifestar. Estar aberto é um exercício, um modo de ser. Quanto mais respeitamos a alteridade mais somos. O homem pode captar o sentido, mas não é ele que dá, que doa. Somente o homem pode se abrir e acolher o ente a partir do que ele é. O que torna possível essa abertura é a liberdade. As escrituras sagradas já diziam: a verdade liberta. Logo a essência da verdade, o modo de ser da verdade é a liberdade. A doação prévia da coisa tal como ela é acontece se estivermos instaurados como livres dentro do aberto que vincula toda presentação. Não significa perder-se nos entes, mas, dar um passo para trás, efetuar um recuo, ter distancia para se aproximar de mim como aquele que recebe. Um ente é não livre quando esta voltado para si mesmo.


Só pode se aproximar quem é capaz da distância.

Acordar (Tiago Villano)


Acordo para o sentido da vida, eles são vários mas, o destino é um só: consumação. Olho os céus, vejo o mundo e toda a sua beleza. Sofro por aqueles que sofrem. Amo por aqueles que amam. estava pensando que a pior doença poderia ser a tristeza. Pobreza de mundo, impossibilitadora de trazer as coisas belas aos olhos - Simplicidade. Os bosques, as flores, os animais e os insetos coloridos. A escuridão da noite: lua, vaga-lumes, grilos e sapos. Tudo é o todo. Somos um. Quando ficamos fechados demais, passamos a não ser visitados pelo assombro, pelo espanto. Fica-se suspenso pela gangorra das idéias de uma vida que ainda está por vir. Perde-se alheio a multidão os apelos do caminho da vida. Veste-se de roupas e acessórios ideológicos. Confunde-se com a profissão e com as instituições. Não vê o sol que nasce e a noite que desce. E morre sem ter vivido. Mas o que sei dessa vida? Nada. Apenas que não canso de amar...

Respostas (T.V)


Não se sabe o que é o homem. Mas podemos nos aproximar do como ele é. Temos mil explicações mas o que precisamos é de compreensão. Aceitar a multiplicidade e o universo infinito que é o homem. Se não olharmos para nossa capacidade de sermos mal, podemos nos tornar esse mal. Se não olharmos para nossa fome da amar, poderemos jamais arriscar. Nos tornaremos como caramujos enrijecidos pela amargura e pelo medo. Medo de sofrer e o de morrer que se cristaliza pelo medo de viver. Somos essa fusão entre luz e sombra, bem e mal. E o equilíbrio dessa tensão é o que gera vida. A paz e comunhão com o agrado. Mora dentro de nós segredos que um obreiro cheio de sabedoria construiu com os enigmas da existência. Quem tem coragem entra. Quem não tem foge para fora. Mas cuidado, quando se entra não se pode voltar. Entra-se cada vez mais para o fundo, em círculos de profundidade, e é só lá onde se pode resgatar nossa humanidade.

Beijos e Boa Noite (T.V)


Ele ouviu de sua amada: - "Espero nunca acordar desse sonho que estou vivendo. Acordo mais feliz por saber que eu tenho você ao meu lado". As palavras o tocaram. Deu-se conta do que realmente estava acontecendo. Despediu-se suavemente e com doces palavras desligou o telefone. Ficou estremecido, mexido, tocado. Seu corpo parecia ter sido furado. Estava vazio mas pleno.

O pensamento acolhe no silêncio que ouve. Não qualquer pensamento mas, aquele que se despoja, para então dar-se no ser. Novos sentidos. Ele agora percebera de que estava em uma nova floresta, sem mapa teria de guiar a si mesmo. Abrir caminhos novos, esquecer de seguir pegadas alheias, que iam a seus próprios destinos. Consumar a si mesmo! Precisou durante anos estar junto do que esmaga para conseguir nascer a sua indignação. Precisou ultrapassar o ressentimento para dar-se conta de que agora conhecia a alegria, o amor e a beleza. Antes sedado, entorpecido por ilusões e distrações. Lembrara de que o louco se nomeia pelo instituído e pensa: - “Eu sou o errado, preciso me adequar!”. Mas sua vida é única, seu modo de pensar obedece outras leis, a vida que pulsa por si mesma. Tudo é ímpar, tudo é UM e cada UM constitui partículas únicas do universo. Não podemos passar a vida numa guerra contra nós mesmos por comparação aos ideais paralelos. É preciso perder o mundo e construir um para si, entrar na roda viva, perder a si mesmo para encontrar a si mesmo. Deixar ser atravessado pela força arrebatadora da vida, do acontecimento. Recolher o sentido e vomitar todos os acessórios ideológicos.

“Minha querida, quando nadarmos ao mar, quero lembremos sempre da imensidão e da liberdade. Quando estivermos na orla e na areia, que não esqueçamos que também somos crianças: onde tudo é sempre novo – mesmo no “de novo”. Quando olharmos para os céus, podemos sentir nosso Criador, basta deixar ser tocado pela beleza da natureza e pela fúria das tempestades. Quando estivermos longe, que a saudade seja eterna. Quando estivermos em aflição, que possamos contar um com o outro, sem se sobrecarregar. Que todos os amores possam se transformar, possam ser uma mutação continua, para que não haja tédio, nem cansaço. Que haja paz. E que todos possamos crescer e superar o que é o homem atual. É preciso novas leis, novos valores, novas formas de pensar”

... e ao enviar seus pensamentos à ela, escrevendo num papel seu sonho... mandou-lhe beijos e boa noite...

I love Susan Boyle (C. Calligaris)

(P.S: eu como um bom ridículo, chorei como uma criança ao assistir o vídeo!! Segue a crítica de Contardo Calligaris)

O vídeo tem a qualidade de um exemplo moral: sonhar pede coragem, resistência e seriedadeNA TERÇA-FEIRA, eu estava com minha coluna pronta (escrevo entre domingo e segunda) e, ao abrir o jornal, descobri que João Pereira Coutinho, neste mesmo espaço, também tinha-se apaixonado por Susan Boyle.Tudo bem, não sou ciumento. Mesmo assim, por um momento, pensei escrever, na última hora, outra coluna. Mas, lendo Coutinho, percebi que a gente pode se apaixonar pela mesma pessoa por razões diferentes. Aqui vai.Em poucos dias, dezenas de milhões de pessoas, pelo mundo afora, assistiram ao vídeo de Susan Boyle cantando "I Dreamed a Dream" (eu sonhei um sonho). Assistiram e choraram lágrimas comovidas.Acesse a internet e veja uma das versões (por exemplo, www.youtube.com/watch?v=8OcQ9A-5noM). Se quiser mais, assista à entrevista de Susan Boyle à rede americana CBS, durante a qual Boyle canta um trecho da música a capela (watching-tv.ew.com/2009/04/susan-boyle-cbs.html).


Provavelmente, Susan Boyle gravará um CD, e o comprarei. Talvez, um dia, ela venha ao Brasil, e estarei no show, mesmo a preço de cambista. Mas nada disso se comparará com o momento extraordinário registrado no vídeo que está hoje no YouTube. Por quê?Vamos com calma. Susan Boyle se qualificou nas preliminares para participar de "Britain's Got Talent" (a Grã-Bretanha tem talento), que é mais uma versão (inglesa) de "American Idol", o programa de televisão que começou nos EUA e foi repetido em vários países -no Brasil, "Ídolos", na TV Record. Trata-se, a cada ano, de premiar um cantor ou uma cantora, descobrindo novos talentos.Na verdade, a seleção para chegar até à final talvez seja o que mais diverte as plateias, nos teatros de gravação ou em casa: o vexame da maioria dos concorrentes funciona como um bálsamo para todas as covardias que nos impedem de correr atrás de nossos sonhos. Algo assim: "Olhe o que aconteceu com quem ousou. Ainda bem que eu não fui!".


Susan Boyle entrou no palco como uma espécie de anticlímax; ela era tudo o que não se espera de uma aspirante a estrela: quase 48 anos, solteirona, desempregada, vestida (disse um amigo estilista) como a rainha Elizabeth se ela fosse pobre, "gordinha" e "feinha". Os diminutivos indicam que sua aparência não era extraordinária nem negativamente, mas a tornava transparente: aquela figura papel de parede, de quem ninguém se lembra se ela estava na festa ou não. Para completar, respondendo às perguntas de Simon Cowell (que preside o júri), ela pareceu quase tola e um tanto vulgar, balançando os quadris para dar mostra de sua juventude de espírito.


Quando Susan Boyle anunciou que seu sonho era ser cantora como Elaine Page (a inesquecível Grizabella de "Cats", em Londres, em 1981), o júri e a plateia não esconderam seu desdém.Aí Susan Boyle começou a cantar. A performance foi propriamente incrível; por um instante, pensei que Boyle estivesse apenas mexendo os lábios enquanto tocava uma gravação: uma voz forte, limpa, segura e expressiva, fiel às emoções que se alternam ao longo das letras.Também a música que Susan Boyle escolheu (letras de Alain Boublil) contribuiu para transformar sua performance numa espécie de exemplo moral: fala de um sonho antigo, sonhado quando "a esperança falava alto e a vida valia a pena", na época em que "os sonhos são criados, usados e desperdiçados"; mas há "tempestades" que "transformam nossos sonhos em vergonha", e, no fim, em regra, a vida massacra os sonhos que sonhamos. Então, qual é a moral da performance?Para Coutinho, a moral é que, na vida, não basta se esforçar: é preciso ter sorte. Entendo assim: Susan, até aqui, não teve sorte, a gente se comove porque é tarde demais ou porque, enfim, o destino a encontrou em sua aldeia perdida.Para mim, a moral é outra. Não sei se Susan teve sorte ou não.


Cuidar longamente da mãe doente e cantar com os amigos no karaokê da vila é uma vida que pode valer a pena, talvez mais do que uma vida nas luzes da ribalta. O que me comoveu tem mais a ver com a coragem e a resistência de seu sonho.Os entrevistadores da CBS perguntaram a Susan Boyle como ela conseguiu se concentrar e cantar, embora percebesse que o júri e a plateia não a levavam a sério e já estavam antecipando a zombaria. Ela respondeu, com simplicidade: "É a gente que tem de se levar à sério".

Valores Positivos (Contardo Calligaris)


EM 5 de maio, o jornal "The Guardian" deu uma notícia que, aqui no Brasil, passou desapercebida ou quase. O Home Office (equivalente ao Ministério da Justiça) do Reino Unido publicou uma lista de 16 pessoas que seriam barradas caso tentassem entrar no país. Oito são islamistas pregadores de ódio étnico e terrorismo -nenhuma surpresa. Mas eis que eles aparecem em companhia de:


Stephen Donald Black, cidadão dos EUA, grande sacerdote do Ku Klux Klan, fundador de "Stormfront", um fórum on-line para quem defende a supremacia da raça branca;


Eric Gliebe, cidadão dos EUA, neonazista;Mike Guzovsky, cidadão dos EUA e de Israel, grande admirador de Baruch Goldstein (o qual, em 1994, em Hebron, matou 29 muçulmanos que estavam rezando numa mesquita);


Fred Waldron Phelps, pastor batista, e sua filha Shirlei, cidadãos dos EUA, pregadores de uma cruzada contra os homossexuais (para eles, a Aids, as guerras e as catástrofes naturais são punições divinas pela permissividade sexual de nossos tempos);


Artur Ryno e Pavel Skachevsky, cidadãos russos, skinheads, conhecidos por filmarem ataques contra minorias étnicas (imigrantes, armênios etc.) e disponibilizar os filmes na internet para o "prazer" de seus acólitos (ambos atualmente na cadeia pelo assassinato de duas dezenas de pessoas);


Michael Savage, cidadão dos EUA, radialista que passa seu tempo no ar fomentando raiva étnica, religiosa e política (Savage ficou na minha memória por defender a ideia de que autismo infantil é manha de criança que não levou todos os tabefes que merecia).


A própria ministra do Interior, Jacqui Smith, explicou a razão pela qual decidiu publicar a lista dos indesejáveis: "Se você não pode viver segundo as regras, os padrões e os valores que contam em nossa vida, nós o excluiremos de nosso país e, mais importante, tornaremos públicos os nomes dos que barramos".Adoraria assistir a um debate entre Jacqui Smith e um juiz da Corte Suprema dos EUA; seria, no mínimo, esclarecedor.Provavelmente, um juiz da Corte Suprema dos EUA, mesmo conservador, diria que não podemos nunca perseguir uma opinião ou uma fé. Eventualmente, podemos perseguir os atos criminosos que essa opinião estimula, mas não a opinião como tal, visto que a lei que nos governa garante a liberdade de pensar e de se expressar.


Tudo bem, mas a decisão de Jacqui Smith não é tanto jurídica quanto moral: a liberdade de pensar e de se expressar, bem antes de ser uma lei, é um valor positivo de nossa cultura, ou seja, um valor que devemos defender assim como defenderíamos nossa fé ou nossa tradição se vivêssemos numa sociedade tradicional ou religiosa.


Na hipotética posição do juiz, a modernidade ocidental poderia ser uma sociedade sem valores positivos; ela seria regida apenas por leis, que, no caso, permitem que cada um pregue o que quiser -inclusive que ele pregue contra as leis que governam nossa convivência. Na posição de Smith, contrariamente ao que afirmam os apóstolos de nossa "decadência moral", a modernidade é uma sociedade rica em valores positivos. Nela, o respeito por esses valores é condição básica para ser cidadão; e o desrespeito é a marca do inimigo - assim como, numa sociedade tradicional, é inimigo quem pensa e professa de maneira diferente da tribo.Outra diferença entre as duas posições é que, no primeiro caso, é quase impossível reconhecer adversários; um mito de paz universal surge como corolário do princípio legal pelo qual toda diferença é permitida. Nessa posição, somos avessos a conflitos e, eventualmente, combatentes envergonhados: combater contra quem, se, por lei, todos podem ser "dos nossos"?


No segundo caso, é fácil responder a essa pergunta: trata-se de combater contra quem, de fato, não é "dos nossos", ou seja, contra quem é inimigo de nossos valores.Como me situo? Pois é, muitos anos atrás, militei a favor da ideia de que os partidos com vocação totalitária devem ser proibidos numa democracia que eles têm o intento de abolir.


A lista de Jacqui Smith me tocou. Ela mostra que, para reconhecer valores que valem a pena defender, não é necessário se identificar com um grupo ou uma facção: nossa cultura basta e sobra.Além disso, a leitura da lista me fez pensar em minha tia Rosalia, que sempre me dizia: "A inteligência humana tem limites; a estupidez não tem".