Pós Modernidade


A Pós-Modernidade marca o declínio do que Freud chamaria de Lei-do-Pai, cujo efeito mais imediato no social é a anomia, onde a perversão se vê livre para se manifestar em diversas formas, como na violência urbana, no terrorismo, nas guerras ideologicamente consideradas “justas”, “limpas” ou “cirúrgicas”. A razão cínica é cada vez mais instrumentalizada. Isto é, não basta ser transgressivo ou perverso-imoral, é preciso se construir uma justificativa “moral” para atos imorais ou perversos. Zizek cita o escabroso caso dos necrófilos, nos EUA, que se julgam no “direito” de fazer sexo com cadáveres. Ou seja, ele diz que qualquer cadáver é um potencial parceiro sexual ideal de sujeitos tolerantes que tentam evitar toda e qualquer forma de molestamento. Por definição: não há como molestar um cadáver.

Na Pós-Modernidade, a perversão e o estresse são sintomas resultados da falta-de-lei, da falta-de-tempo e da falta-de-perspectiva de futuro, porque tudo se desmoronou (do muro de Berlin à crença nos valores e na esperança). A sociedade é regida para além da ânsia de espetáculo; existe a ânsia de prazer a qualquer preço, a maioria parece se sentir na obrigação de se divertir, de “curtir a vida adoidada” e de “trabalhar muito para ter dinheiro ou prestígio social”, não importando os limites de si próprio e dos outros. As pessoas se sentem no dever de se vender como se fosse um prazer, de fazer ceia de Natal em casa à meia noite, de comemorar o gol que todo mundo está comemorando, de curtir o carnaval nos 3 ou 4 dias, de seguir uma religião, de usar celular sem motivo concreto, de gastar o dinheiro que não têm, de ter relações sexuais toda noite porque todos dão a impressão de fazê-lo, de fazer cursos e mais cursos, ascender na empresa, escrever mil e um artigos por ano na universidade. Enfim, todos parecem viver na “obrigação” de se cumprir uma ordem invisível, e de ser visivelmente feliz e vencedor.

Heidegger coloca que esse mergulho no impessoal é uma maneira de lidar a angústia. Ao passo que o Homem é um ser-no-mundo e a angústia se torna uma possibilidade, ela o acomete e lhe causa um desconforto em seu ser. Se não se encontra conforto e amparo em si mesmo, passa a se refugiar na massa, no impessoal. Como a angústia mostra de maneira mais nua a inospitabilidade do mundo e isso causa um estranhamento, a possibilidade de se refugiar nas manifestações da massa parece sedutora, pois se poderá ter a ilusão de que não se é estranho, as coisas não estão estranhas e, evidentemente, aqui se poderá estar amparado, protegido, sentindo-se pertencente, acolhido.

Quem não obedece a si mesmo é regido por outros. É mais fácil, muito mais fácil, obedecer a outro do que dirigir a si mesmo...

Sorria

CONTARDO CALLIGARIS


Sorria!

Pesquisas mostram que valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão

Na frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!"; espontaneamente, simulamos grandes alegrias, sorrindo de boca aberta. Em regra, hoje, os retratos são propaganda de pasta de dentes -se você não acredita, passeie pelo Facebook, onde muitos compartilham seus álbuns, rivalizando para ver quem parece melhor aproveitar a vida.

O hábito de sorrir nos retratos é muito recente. Angus Trumble, autor de "A Brief History of the Smile" (uma breve história do sorriso, Basic Books), assinala que esse costume não poderia ter se formado antes que os dentistas tornassem nossos dentes apresentáveis.

Além disso, os retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era mais fácil adotar uma expressão "natural". O mesmo vale para os daguerreótipos e as primeiras fotos: os tempos de exposição eram longos demais. Já pensou manter um sorriso por minutos?

Outra explicação é que o retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso, um pouco solene.

Mas resta que nossos antepassados recentes, na hora de serem imortalizados, queriam deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura; enquanto nós, na mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir -e nada do sorriso enigmático do Buda ou de Mona Lisa: sorrimos escancaradamente.

Certo, o hábito de sorrir na foto se estabeleceu quando as câmaras fotográficas portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase: a vida da família nuclear e o tempo de férias.

De fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios do sorriso. No primeiro, ao risco de parecerem idiotas de tanto sorrir, as crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos ser "felizes".

Em suma, estampado na cara das crianças ou na nossa, o sorriso é, hoje, o grande sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer a admiração (e a inveja) dos outros.

De uma longa época em que nossa maneira e talvez nossa capacidade de enfrentar a vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a uma época em que saber viver coincidiria com saber sorrir e rir. Nessa passagem, não há só uma mudança de expressão: o passado parece valorizar uma atenção focada e reflexiva, enquanto nós parecemos valorizar a diversão. Ou seja, no passado, saber viver era focar na vida; hoje, saber viver é se distrair dela.

Ao longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a "felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a finitude da vida.

Alguém dirá que tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o sorriso e o riso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas vidas. Se o bom humor da diversão afastasse as dores do dia a dia, quem se queixaria disso?

Pois é, acabo de ler uma pesquisa de Iris Mauss e outros, "Can Seeking Happiness Make People Happy? Paradoxical Effects of Valuing Happiness", em Emotion on-line, em abril de 2011 (http://migre.me/9CT8e).

Em tese, a valorização ajuda a alcançar o que é valorizado -por exemplo, se valorizo as boas notas, estudo mais etc. Mas eis que duas experiências complementares mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o que ela é exatamente -ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção? Sentimento de inadequação?

Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, trata-se da sensação de que a gente não tem competência para viver -apenas para se divertir ou, pior ainda, para fazer de conta. Como chegamos a isso?

Pouco tempo atrás, na minha frente, uma mãe conversava pelo telefone com o filho (que a preocupa um pouco pelo excesso de atividade e pela dispersão). O menino estava passando um dia agitado, brincando com amigos; a mãe quis saber se estava tudo bem e perguntou: "Filho, está se divertindo bem?".

Canibais do Agreste

Canibais do Agreste - Por C. Calligaris


Os canibais do agreste são três loucos. A partir de que número eles seriam uma seita? E uma religião? Na quarta-feira retrasada, em Garanhuns (PE), a polícia prendeu Jorge Beltrão Negromonte da Silveira, 51, sua mulher, Isabel Cristina Torreão Pires da Silveira, também 51, e Bruna Cristina Oliveira da Silva, 25, que vivia com o casal e era a amante de Jorge. Os três são acusados de ter matado no mínimo três jovens mulheres: duas nos últimos meses, em Garanhuns, e outra, em 2008, em Olinda. Eles confessaram ter comido pele, vísceras e carne das vítimas. Isabel declarou ter usado esses ingredientes na preparação de empadas que ela vendia cidade afora. Os restos das vítimas recentes foram encontrados no quintal da casa do trio.


Jorge, formado em educação física e com uma segunda faculdade ao menos começada, deixou um manuscrito de 34 minicapítulos e cinco desenhos registrado em cartório (como se temesse pelos direitos autorais). Também existe um filme, que Jorge e Isabel produziram e no qual eles atuaram, anos atrás. Bruna, ao que parece, escreveu um diário, que acaba de ser encontrado.


Passei a tarde de domingo lendo o manuscrito de Jorge; o memorial se interrompe pouco depois da primeira vítima, Jéssica (a qual, antes de ser morta, pariu uma menina, que passou a viver com o trio e de quem Jorge afirma ser o pai).No memorial, Jorge também relata o diagnóstico de esquizofrenia paranoide, as tentativas de medicação e a passagem por diversos serviços de saúde mental.


Numa entrevista televisiva (http://migre.me/8GY8q), Jorge conta que as vítimas precisavam ser purificadas, e purificar as almas era a "missão" do trio. As mulheres, atraídas por propostas de trabalho, eram levadas, na conversa, a falar "coisas boas", de maneira a poderem morrer "perdoadas".Comer a carne era parte do ritual de purificação; talvez os assassinos incorporassem assim a nova "pureza" de suas vítimas -afinal, segundo muitos antropólogos, o canibal assimila as qualidades da pessoa de quem ele se alimenta. De fato, depois do primeiro assassinato, Bruna passou a ser chamada de Jéssica, nome da primeira vítima.


Seja como for, o crime do trio inspirou um horror descomunal. Populares de Garanhuns, não podendo linchar os três, lincharam a casa, que foi saqueada e queimada por duas vezes.De fato, o autocanibalismo é frequente (as pessoas comem suas unhas e peles sem problema), mas o canibalismo é muito raro. Aparece na ficção (Hannibal Lecter) e em alguns casos em que está ligado a fantasias sexuais extremas (vide o caso de Jeffrey Dahmer e o caso de Armin Meiwes, que, na Alemanha, em 2003, encontrou Bernd Brandes, o qual queria ser devorado e participou da comilança de seu próprio corpo até morrer). Desse canibalismo sexual sobra em nós a vontade de morder o ser amado -além do duplo sentido lusitano de "comer".


Fora isso, o canibal é sobretudo uma construção cultural, que serve para apontar a selvageria no primitivo e no outro em geral (sobre isso, ler o excelente "An Intellectual History of Cannibalism", de Catalin Avramescu, Princeton).


Agora, o canibalismo, para Jorge, não foi um transporte sensual ou sexual, mas o jeito louco de se dar uma identidade e um sentido. Os cristãos sustentam sua força espiritual incorporando simbolicamente o corpo de Cristo na comunhão; Jorge tentou se tornar alguém no mundo devorando realmente suas vítimas purificadas. Ele conseguiu: tornou-se a mão vingadora do arcanjo, com a "clara" missão de purificar o mundo.Alguém me perguntou: como três pessoas podem compartilhar a mesma loucura?


A psiquiatria francesa do século 19 nomeou a "Folie à deux" (loucura a dois), que o DSM (manual de diagnóstico de transtornos mentais) hoje chama de Transtorno Psicótico Compartilhado. Às vezes, dois ou mais psicóticos podem influenciar reciprocamente a elaboração de seus temas delirantes. Mais frequentemente, a loucura é imposta a outros (não psicóticos) por um personagem dominante (Jorge, no caso), cujo delírio seduz e conquista. Como assim, seduz?


Num mundo em que a maioria sofre de uma tremenda fragilidade narcisista, ou seja, da sensação de ser invisível e desnecessário, os Jorges só podem proliferar, pois eles garantem muito mais do que pão: eles garantem um sentido e uma função no mundo para todos.


Os canibais do agreste são três loucos. A partir de que número eles seriam uma seita? E uma religião?

Sintonia no ciclos da vida





Ja desejei não mais chorar pensando em não mais sofrer. Já desejei não mais amar para não mais me machucar. Já desejei não mais ter amigos para não mais me decepcionar. Já desejei dormir e não mais acordar para poder descansar. Mas a vida ensina que tudo serve para nada e nada serve para tudo. Viver é descobrir que não há senão caminhos para conduzir a uma existencia legítima, apenas um: O seu próprio caminho. E o segredo que tanto buscas, aparece e desaparece na insconstancia da vida, viver é se surpreender. Não perca o interesse pela vida, não ache que já descobriu tudo sobre a vida. Quando não há tristeza, é porque a alegria esta debaixo de nosso travesseiro e quando há apenas alegria é porque a dor dorme e descansa até o limiar do próximo nascente.

(Jean Monbourquette)



Todo o amor, todo o talento, todo tempo, toda a aplicação. Todas as alegrias, todas as carícias, todos os sofrimentos, todas as promessas, todas as preocupações.

Tudo esta perdido. É o grande vazio, é a morte, é o nada. Graça da evidencia, dura e tranquilizadora realidade.

Abandono completo. Minha dor se transforma em luz, em purificação, em vida que jorra. Por que devo morrer deste modo, para aprender a viver?

(Jean Monbourquette)

Terminalidade



No fim sei retornarei de onde vim... do pó vieste e ao pó retornareis... Poeira do espaço... Gostaria de ser cremado e como sei que nesta hora terei de estar sozinho, coloquem minhas cinzas dentro de uma garrafa de vinho.

No fundo, gostaria de ser uma garrafa de vinho... Para aguardar em plena serenidade o momento de ser celebrado. O momento solene de alegrar ou inebriar o bohemio, o poeta, o homem de Deus, a prostituta, o rapinante, o homem de negócios... Enfim, trazer dionisíacamente o ensejo do ledice sabor: Vida! Uma vez mais Vida! E nesse momento todas as nossas dores serão esquecidas...

Privacidade



Perdemos a privacidade?



Estamos nos expondo desnecessariamente e cada vez mais? Escondemos nos sorrisos, nos disfarces dos protocolos nossa dor, nossa angústia, nossa necessidade de compartilhar a existencia. Será que para ter a garantia que sou feliz, preciso testemunhar que os outros vejam minha felicidade?



É preciso prezar a intimidade. É preciso cuidar da privacidade. A excessiva exposição, o modo como nos exibimos em sites de relacionamento, em fotos postadas, em comportamentos de auto-afirmação de felicidade, a necessidade de sermos vistos, invejados, admirados nos causa um grande vazio. Por que? Porque nos torna superficiais. A superficialidade vive no escancaramento da privacidade, no estupro da intimidade. Nos tornamos fúteis quando nos preocupamos com a vida do vizinho, com a ostentação e a busca de sermos vistos, com a necessidade de exibirmos o que fizemos ontem, que fui a europa, andei a cavalo, nadei, sorri, senti, sorri, quando queremos nos comparar e espiar os "posts" dos amigos virtuais que na realidade nem conhecemos! Me olhe, sou mais feliz que você, olhe pra minha privacidade, aqui eu mostro até com quantas pessoas eu fiquei e transei! Me olhe! Me deseje... Como diria Zygmunt Bauman, não criamos mais vínculos, criamos redes sociais... Basta um clique no FaceBook para eu deletar alguém ou adicioná-lo como "amigo". Aliás, a palavra amigo perdeu seu significado... em breve teremos um novo dicionário...



Se não prezamos nossa privacidade nos tornamos superficiais...


Do mesmo modo que compartilhamos os momentos alegres com verdadeiros amigos, também há necessidade de compartilhar nossa dor, nossos momentos de tristeza, sem censura e sem a frívola necessidade de mostrar que somos apenas o gozo e extase da uma ejaculação precoce.


Amigos... prezem a privacidade!

Certeza do agora




"A vida de um homem é o instante onde o mundo, em vão, se ilumina. A pedra, a lua e o rosto do outro não seriam comemorados e celebrados se o breve trânsito de nossa aparição não contasse com a língua e com a palavra. Também os gestos ou a dança, e a pintura, igualmente celebram, mas é na palavra das línguas que o mundo deixa de ser mundo e pode tocar a aparição. Se o homem deixar de existir e apenas o lagarto ou outro animal grunhir para a lua, então ela será menos lua e algum deus criador que acaso persista em sua incansável persistência terá de reconhecer que sua "obra" não é devidamente celebrada e ele, junto de seu imenso narcisismo trabalhista, teria de se suicidar. Celebrar é estar exposto e atingido pelas coisas a ponto de, ao dizê-las, guardar-lhes a vibração, comemorá-las."


Juliano Pessanha no livro "Certeza do Agora"

Pré-Pânico




Eu sei. Não pode. É perigoso. Cuidado. Bem que eu disse. Eu não faço isso por nada. Controle. Segurança. Garantia. Medo. Desconfiança. Medo de avião - insegurança. Medo de navios. Medo de mar - liberdade. Não se duvida de nada. Não se questiona nada. Esse é o princípio da eclampsia existencial - Síndrome do Pânico.

Paralisia existencial





Tenho visto pessoas de todas as idades, homens ou mulheres perderem o encantamento pela vida. Uns sondam as nostalgias. Vivem seu passado como se só estivessem realmente existido nele. Não conhecem mais músicas novas, não descobrem novos estudos, novos lazeres, novos vinhos. Outros vivem das previsões do futuro. Delimitam o controle sobre suas vidas e se perdem na fugacidade de amores sem raízes, relacionamentos relampagos, nada os convoca, nada os prende e já não se cria, já não se é espontâneo - existencia fast-food. Somos feitos para aprender, para criar, descobrir... algo que só subexiste se questionarmos, duvidarmos e semearmos os questionamentos necessários do amadurecer. Aqueles que estão resignados, estão engessados, ressentidos e ásperos nas micoses da existencia. Os pés caminham para frente, não tenha medo. Se vc se lembrasse de cada escorregão, de cada tombo que levou aprendendo a andar nos primeiros anos de vida, vc estaria agora numa cadeira de rodas, com medo da instabilidade, da surpresa e epifania da vida. Amigos, sondem os labirintos!