O essencial (Tiago Villano)


Continuo regando as plantas de meu jardim. Nele existem muitas flores e folhas: gardênias, jasmim, bromélias, girasol, gerbera, lírios, margaridas, rosas e tulipas. Encontro muitas paz com os pés na terra e o ar puro das estações. A chuva que chega, o sol que nasce, a noite que cobre. Tudo nos fala da vida. Ela é uma variação: as estações do ano. Inconstância. Impermanência perpétua. Beleza e galhos secos. Os seres humanos, ocupados demais com suas convenções, esqueceram de olhar para a terra. Querem dominá-la e extrair seus recursos num poderio sem fim. Tudo fala em nome de alguma autoridade, deve-se obedecer e pronto. Narcotização.

Será que algum dia encontrarei um ser humano de verdade. Não aquele disposto a comprar a tranquilidade de sua consciência querendo, num egoísmo estético, se achar no direito de corrigir o mundo e todas as pessoas. Todos estão errados, menos ele, que fala do lugar inatingivel de seu título. Olha com uma desconfiança básica, mas demonstra um falso otimismo. Foge de si, não se conhece e odeia tudo relacionado ao corpo e a terra. Ele quer dos céus outro mundo pra viver. Perde-se a beleza, inventa-se risos e alegrias construídas por sonhos e certezas.

Um dia sairei de noite cantando ao mundo a canção da vida! Verei pessoas inteiras, verdadeiras. Um olhar que não seja construído pela arrogância de um título ou de um diploma. Que nos olhe sem a contaminação dos preconceitos, sem rótulos, sem água oxigenada, sem diagnósticos, sem títulos, sem rótulos. Com a simplicidade das plantas e das flores do meu jardim. Procuro alguém que me possa oferecer companhia gartuita, generosidade e transparência. Sem discursos ideológicos, prontos e cheios de artefatos intelectuais. Quero um homem-tempestade, que deixe falar sua indignação, que traga a luz a sua experiência! Que traga à luz o que esconde atrás da cortina. Que me olhe e me abrace com uma sorriso sem exigências. Que brinque de si mesmo e que não se leve a sério. Que não olhe tudo com a seriedade de uma prepotência garantida pela segurança ilusória do conforto, da estagnação, da resignação. Alguém que revolucione, que construa novos valores. Que se deixe ser tocados pelas coisas, que se assombre com a complexidade da vida ao invés de tentar explicar e falar de SUA vida. Como diria o poeta: Jamais alguém deveria nos ensinar a viver: pois ele nos ensinará a viver sua própria vida.

Chega! O mundo me espera. Tic-tac... o relógio não para. Mas para quem vive na orla do tempo, na extremidade do mundo, o tempo é mais uma construção distrativa do essencial...

Do conhecimento e da Experiência (Tiago Villano)


As respostas que quebram as contradições e os paradoxos são respostas ilusórias para abarcar nossa angústia, insegurança e incerteza. Essas respostas desconhecem o real alcance das questões, fazendo sempre desaparecer as próprias perguntas. A meditação é a que nos coloca dentro, no interior das próprias questões, nos mostrando o real alcance delas. É no mover-se das questões, na reflexão pura, sem a intenção de pousar em algum lugar, sem a intenção de chegar a um fim, que se criam às perspectivas. O círculo das interrogações não busca a saída e sim a profundidade, tornando o desconforto da interrogação um lugar salutar, uma terra fértil de crescimento e abertura para o sagrado, para o infinito.

O senso comum não consegue observar o essencial, pois o essencial não ocupa o lugar do útil. Nossa cultura pensa a partir do valor de utilidade, o que pode ser eficiente, rápido e imediato. Quando o homem atual se questiona pela condição de encontrar uma resposta, ele já sabe o que quer encontrar, sabe onde quer chegar. O modo de pensar ocidental pensa a verdade a partir de um senso de conveniência, num ajuste: estar adequado. Ou seja, o que se exprime deve estar em conformidade com o que se designa. O verdadeiro é o real, o falso é irreal. Tautologia preguiçosa. O critério se adequa a coisa? Ou a coisa ao critério? Não estamos mais na idade média, precisamos descobrir um outro modo de pensar e ver o ser humano, pois existe a verdade que só diz respeito ao conhecimento, ao intelecto. E outra mais profunda, mais essencial.

É o sentido que vem ao encontro do homem, não o homem que vai ao sentido. Intencionalidade é o modo de ser da consciência. As coisas não podem ser reduzidas ao que queremos que elas sejam. É preciso que ela se dê num âmbito de encontro onde se dá a abertura do apresentado com o ser apresentante. Deixando a coisa se manifestar. Estar aberto é um exercício, um modo de ser. Quanto mais respeitamos a alteridade mais somos. O homem pode captar o sentido, mas não é ele que dá, que doa. Somente o homem pode se abrir e acolher o ente a partir do que ele é. O que torna possível essa abertura é a liberdade. As escrituras sagradas já diziam: a verdade liberta. Logo a essência da verdade, o modo de ser da verdade é a liberdade. A doação prévia da coisa tal como ela é acontece se estivermos instaurados como livres dentro do aberto que vincula toda presentação. Não significa perder-se nos entes, mas, dar um passo para trás, efetuar um recuo, ter distancia para se aproximar de mim como aquele que recebe. Um ente é não livre quando esta voltado para si mesmo.


Só pode se aproximar quem é capaz da distância.

Acordar (Tiago Villano)


Acordo para o sentido da vida, eles são vários mas, o destino é um só: consumação. Olho os céus, vejo o mundo e toda a sua beleza. Sofro por aqueles que sofrem. Amo por aqueles que amam. estava pensando que a pior doença poderia ser a tristeza. Pobreza de mundo, impossibilitadora de trazer as coisas belas aos olhos - Simplicidade. Os bosques, as flores, os animais e os insetos coloridos. A escuridão da noite: lua, vaga-lumes, grilos e sapos. Tudo é o todo. Somos um. Quando ficamos fechados demais, passamos a não ser visitados pelo assombro, pelo espanto. Fica-se suspenso pela gangorra das idéias de uma vida que ainda está por vir. Perde-se alheio a multidão os apelos do caminho da vida. Veste-se de roupas e acessórios ideológicos. Confunde-se com a profissão e com as instituições. Não vê o sol que nasce e a noite que desce. E morre sem ter vivido. Mas o que sei dessa vida? Nada. Apenas que não canso de amar...

Respostas (T.V)


Não se sabe o que é o homem. Mas podemos nos aproximar do como ele é. Temos mil explicações mas o que precisamos é de compreensão. Aceitar a multiplicidade e o universo infinito que é o homem. Se não olharmos para nossa capacidade de sermos mal, podemos nos tornar esse mal. Se não olharmos para nossa fome da amar, poderemos jamais arriscar. Nos tornaremos como caramujos enrijecidos pela amargura e pelo medo. Medo de sofrer e o de morrer que se cristaliza pelo medo de viver. Somos essa fusão entre luz e sombra, bem e mal. E o equilíbrio dessa tensão é o que gera vida. A paz e comunhão com o agrado. Mora dentro de nós segredos que um obreiro cheio de sabedoria construiu com os enigmas da existência. Quem tem coragem entra. Quem não tem foge para fora. Mas cuidado, quando se entra não se pode voltar. Entra-se cada vez mais para o fundo, em círculos de profundidade, e é só lá onde se pode resgatar nossa humanidade.

Beijos e Boa Noite (T.V)


Ele ouviu de sua amada: - "Espero nunca acordar desse sonho que estou vivendo. Acordo mais feliz por saber que eu tenho você ao meu lado". As palavras o tocaram. Deu-se conta do que realmente estava acontecendo. Despediu-se suavemente e com doces palavras desligou o telefone. Ficou estremecido, mexido, tocado. Seu corpo parecia ter sido furado. Estava vazio mas pleno.

O pensamento acolhe no silêncio que ouve. Não qualquer pensamento mas, aquele que se despoja, para então dar-se no ser. Novos sentidos. Ele agora percebera de que estava em uma nova floresta, sem mapa teria de guiar a si mesmo. Abrir caminhos novos, esquecer de seguir pegadas alheias, que iam a seus próprios destinos. Consumar a si mesmo! Precisou durante anos estar junto do que esmaga para conseguir nascer a sua indignação. Precisou ultrapassar o ressentimento para dar-se conta de que agora conhecia a alegria, o amor e a beleza. Antes sedado, entorpecido por ilusões e distrações. Lembrara de que o louco se nomeia pelo instituído e pensa: - “Eu sou o errado, preciso me adequar!”. Mas sua vida é única, seu modo de pensar obedece outras leis, a vida que pulsa por si mesma. Tudo é ímpar, tudo é UM e cada UM constitui partículas únicas do universo. Não podemos passar a vida numa guerra contra nós mesmos por comparação aos ideais paralelos. É preciso perder o mundo e construir um para si, entrar na roda viva, perder a si mesmo para encontrar a si mesmo. Deixar ser atravessado pela força arrebatadora da vida, do acontecimento. Recolher o sentido e vomitar todos os acessórios ideológicos.

“Minha querida, quando nadarmos ao mar, quero lembremos sempre da imensidão e da liberdade. Quando estivermos na orla e na areia, que não esqueçamos que também somos crianças: onde tudo é sempre novo – mesmo no “de novo”. Quando olharmos para os céus, podemos sentir nosso Criador, basta deixar ser tocado pela beleza da natureza e pela fúria das tempestades. Quando estivermos longe, que a saudade seja eterna. Quando estivermos em aflição, que possamos contar um com o outro, sem se sobrecarregar. Que todos os amores possam se transformar, possam ser uma mutação continua, para que não haja tédio, nem cansaço. Que haja paz. E que todos possamos crescer e superar o que é o homem atual. É preciso novas leis, novos valores, novas formas de pensar”

... e ao enviar seus pensamentos à ela, escrevendo num papel seu sonho... mandou-lhe beijos e boa noite...

I love Susan Boyle (C. Calligaris)

(P.S: eu como um bom ridículo, chorei como uma criança ao assistir o vídeo!! Segue a crítica de Contardo Calligaris)

O vídeo tem a qualidade de um exemplo moral: sonhar pede coragem, resistência e seriedadeNA TERÇA-FEIRA, eu estava com minha coluna pronta (escrevo entre domingo e segunda) e, ao abrir o jornal, descobri que João Pereira Coutinho, neste mesmo espaço, também tinha-se apaixonado por Susan Boyle.Tudo bem, não sou ciumento. Mesmo assim, por um momento, pensei escrever, na última hora, outra coluna. Mas, lendo Coutinho, percebi que a gente pode se apaixonar pela mesma pessoa por razões diferentes. Aqui vai.Em poucos dias, dezenas de milhões de pessoas, pelo mundo afora, assistiram ao vídeo de Susan Boyle cantando "I Dreamed a Dream" (eu sonhei um sonho). Assistiram e choraram lágrimas comovidas.Acesse a internet e veja uma das versões (por exemplo, www.youtube.com/watch?v=8OcQ9A-5noM). Se quiser mais, assista à entrevista de Susan Boyle à rede americana CBS, durante a qual Boyle canta um trecho da música a capela (watching-tv.ew.com/2009/04/susan-boyle-cbs.html).


Provavelmente, Susan Boyle gravará um CD, e o comprarei. Talvez, um dia, ela venha ao Brasil, e estarei no show, mesmo a preço de cambista. Mas nada disso se comparará com o momento extraordinário registrado no vídeo que está hoje no YouTube. Por quê?Vamos com calma. Susan Boyle se qualificou nas preliminares para participar de "Britain's Got Talent" (a Grã-Bretanha tem talento), que é mais uma versão (inglesa) de "American Idol", o programa de televisão que começou nos EUA e foi repetido em vários países -no Brasil, "Ídolos", na TV Record. Trata-se, a cada ano, de premiar um cantor ou uma cantora, descobrindo novos talentos.Na verdade, a seleção para chegar até à final talvez seja o que mais diverte as plateias, nos teatros de gravação ou em casa: o vexame da maioria dos concorrentes funciona como um bálsamo para todas as covardias que nos impedem de correr atrás de nossos sonhos. Algo assim: "Olhe o que aconteceu com quem ousou. Ainda bem que eu não fui!".


Susan Boyle entrou no palco como uma espécie de anticlímax; ela era tudo o que não se espera de uma aspirante a estrela: quase 48 anos, solteirona, desempregada, vestida (disse um amigo estilista) como a rainha Elizabeth se ela fosse pobre, "gordinha" e "feinha". Os diminutivos indicam que sua aparência não era extraordinária nem negativamente, mas a tornava transparente: aquela figura papel de parede, de quem ninguém se lembra se ela estava na festa ou não. Para completar, respondendo às perguntas de Simon Cowell (que preside o júri), ela pareceu quase tola e um tanto vulgar, balançando os quadris para dar mostra de sua juventude de espírito.


Quando Susan Boyle anunciou que seu sonho era ser cantora como Elaine Page (a inesquecível Grizabella de "Cats", em Londres, em 1981), o júri e a plateia não esconderam seu desdém.Aí Susan Boyle começou a cantar. A performance foi propriamente incrível; por um instante, pensei que Boyle estivesse apenas mexendo os lábios enquanto tocava uma gravação: uma voz forte, limpa, segura e expressiva, fiel às emoções que se alternam ao longo das letras.Também a música que Susan Boyle escolheu (letras de Alain Boublil) contribuiu para transformar sua performance numa espécie de exemplo moral: fala de um sonho antigo, sonhado quando "a esperança falava alto e a vida valia a pena", na época em que "os sonhos são criados, usados e desperdiçados"; mas há "tempestades" que "transformam nossos sonhos em vergonha", e, no fim, em regra, a vida massacra os sonhos que sonhamos. Então, qual é a moral da performance?Para Coutinho, a moral é que, na vida, não basta se esforçar: é preciso ter sorte. Entendo assim: Susan, até aqui, não teve sorte, a gente se comove porque é tarde demais ou porque, enfim, o destino a encontrou em sua aldeia perdida.Para mim, a moral é outra. Não sei se Susan teve sorte ou não.


Cuidar longamente da mãe doente e cantar com os amigos no karaokê da vila é uma vida que pode valer a pena, talvez mais do que uma vida nas luzes da ribalta. O que me comoveu tem mais a ver com a coragem e a resistência de seu sonho.Os entrevistadores da CBS perguntaram a Susan Boyle como ela conseguiu se concentrar e cantar, embora percebesse que o júri e a plateia não a levavam a sério e já estavam antecipando a zombaria. Ela respondeu, com simplicidade: "É a gente que tem de se levar à sério".

Valores Positivos (Contardo Calligaris)


EM 5 de maio, o jornal "The Guardian" deu uma notícia que, aqui no Brasil, passou desapercebida ou quase. O Home Office (equivalente ao Ministério da Justiça) do Reino Unido publicou uma lista de 16 pessoas que seriam barradas caso tentassem entrar no país. Oito são islamistas pregadores de ódio étnico e terrorismo -nenhuma surpresa. Mas eis que eles aparecem em companhia de:


Stephen Donald Black, cidadão dos EUA, grande sacerdote do Ku Klux Klan, fundador de "Stormfront", um fórum on-line para quem defende a supremacia da raça branca;


Eric Gliebe, cidadão dos EUA, neonazista;Mike Guzovsky, cidadão dos EUA e de Israel, grande admirador de Baruch Goldstein (o qual, em 1994, em Hebron, matou 29 muçulmanos que estavam rezando numa mesquita);


Fred Waldron Phelps, pastor batista, e sua filha Shirlei, cidadãos dos EUA, pregadores de uma cruzada contra os homossexuais (para eles, a Aids, as guerras e as catástrofes naturais são punições divinas pela permissividade sexual de nossos tempos);


Artur Ryno e Pavel Skachevsky, cidadãos russos, skinheads, conhecidos por filmarem ataques contra minorias étnicas (imigrantes, armênios etc.) e disponibilizar os filmes na internet para o "prazer" de seus acólitos (ambos atualmente na cadeia pelo assassinato de duas dezenas de pessoas);


Michael Savage, cidadão dos EUA, radialista que passa seu tempo no ar fomentando raiva étnica, religiosa e política (Savage ficou na minha memória por defender a ideia de que autismo infantil é manha de criança que não levou todos os tabefes que merecia).


A própria ministra do Interior, Jacqui Smith, explicou a razão pela qual decidiu publicar a lista dos indesejáveis: "Se você não pode viver segundo as regras, os padrões e os valores que contam em nossa vida, nós o excluiremos de nosso país e, mais importante, tornaremos públicos os nomes dos que barramos".Adoraria assistir a um debate entre Jacqui Smith e um juiz da Corte Suprema dos EUA; seria, no mínimo, esclarecedor.Provavelmente, um juiz da Corte Suprema dos EUA, mesmo conservador, diria que não podemos nunca perseguir uma opinião ou uma fé. Eventualmente, podemos perseguir os atos criminosos que essa opinião estimula, mas não a opinião como tal, visto que a lei que nos governa garante a liberdade de pensar e de se expressar.


Tudo bem, mas a decisão de Jacqui Smith não é tanto jurídica quanto moral: a liberdade de pensar e de se expressar, bem antes de ser uma lei, é um valor positivo de nossa cultura, ou seja, um valor que devemos defender assim como defenderíamos nossa fé ou nossa tradição se vivêssemos numa sociedade tradicional ou religiosa.


Na hipotética posição do juiz, a modernidade ocidental poderia ser uma sociedade sem valores positivos; ela seria regida apenas por leis, que, no caso, permitem que cada um pregue o que quiser -inclusive que ele pregue contra as leis que governam nossa convivência. Na posição de Smith, contrariamente ao que afirmam os apóstolos de nossa "decadência moral", a modernidade é uma sociedade rica em valores positivos. Nela, o respeito por esses valores é condição básica para ser cidadão; e o desrespeito é a marca do inimigo - assim como, numa sociedade tradicional, é inimigo quem pensa e professa de maneira diferente da tribo.Outra diferença entre as duas posições é que, no primeiro caso, é quase impossível reconhecer adversários; um mito de paz universal surge como corolário do princípio legal pelo qual toda diferença é permitida. Nessa posição, somos avessos a conflitos e, eventualmente, combatentes envergonhados: combater contra quem, se, por lei, todos podem ser "dos nossos"?


No segundo caso, é fácil responder a essa pergunta: trata-se de combater contra quem, de fato, não é "dos nossos", ou seja, contra quem é inimigo de nossos valores.Como me situo? Pois é, muitos anos atrás, militei a favor da ideia de que os partidos com vocação totalitária devem ser proibidos numa democracia que eles têm o intento de abolir.


A lista de Jacqui Smith me tocou. Ela mostra que, para reconhecer valores que valem a pena defender, não é necessário se identificar com um grupo ou uma facção: nossa cultura basta e sobra.Além disso, a leitura da lista me fez pensar em minha tia Rosalia, que sempre me dizia: "A inteligência humana tem limites; a estupidez não tem".

Novos "antigos" Caminhos


Visita em mim uma tristeza repentina e solitária. Ela se alimenta de ilusões criadas por mim, nascidas de promessas infinitas de um amor duradouro. Sento-me e aprecio um bom vinho. Ele me traz a sabedoria dos antigos. Daquele que transforma água em vinho, medo em coragem, culpas em redenção.


Estou um pouco fraco. Esgota-me as verdades-mentiras alimentadas por um pobre espírito absorto. Vivemos e não cansamos de viver. Mesmo quando sofremos e a nossa vida passeia entre a alegria e a miséria - queremos mais. Novos amores estão sempre à nossa espreita. Esperando fisgar nosso olhar, nosso coração. Marcas antigas nos impedem de ver seus acenos. A porta sempre entreaberta permanece com as chaves no trinco, prontas para cerrar e bloquear o acesso ao paraíso. As sombras daqueles que passaram atormentam as noites vindouras. Impedem que nossos corações transbordem em êxtase, e permaneçam com as portas abertas, sem chaves, sem trincos e sem fechaduras.


Senhor, dê-me forças para não sucumbir. Dê-me coragem para não deixar a chama se apagar e, por favor, com sua e minha ousadia permita-me adentrar para o lugar onde até os mortos voltam a amar...Faça-me esquecer as marcas de uma tormenta repentina. Faça-me lembrar que existe água, amor e vinho nesse exílio e nesse deserto por onde caminho.


Vejo tudo, mas não tenho forças para dessa água beber. Respiro, quedo em repouso e silencio. Esvazio-me e permito-me aos poucos dar pequenos goles de exaltação. Renovo-me. Encontro asas, mas tenho receio dessa liberdade. Toco em seus preciosos líquidos, mas, tenho medo de me afogar adentro dos abismos de amores resolutos. Viajo por entre os céus de minha alma. Volto para a terra, mais uma vez, devagar, vou abandonando minha alma para que de novo ela possa nesse fogo queimar. Renascer como quem constantemente se batiza em busca de novos recomeços, de novos olhares, de novas viagens. Estou visitando, como uma pássaro sem asas, ciscando pela caverna escura onde até os mortos voltam a amar.


Vejo a luz, ando mais alguns passos e fico no aguardo para que você agarre minhas mãos e me leve junto a ti. Mais alguns passos no profundo... A escuridão e o facho de luz me cegam os olhos... Os fecho... E vou mais além com suas mãos junto as minhas, guiando-me pelos caminhos esquecidos, pelas imensidões inexploradas...

Aos amigos-porcos (por Tiago V.)


É muito comum ver pessoas (amigos?) compensarem suas próprias falhas com julgamento e muitas exigências para com os outros. O padrão de santidade e de moralismo que essas pessoas se impõe, passam a ser considerados regra e exigência para todos. Devem valer para todos. Mas, vamos considerar alguns pontos.Esse julgador que quer apedrejar simbolicamente por condenar ou simplesmente cuspir veneno nos caráter alheio, assim o faz porque seus problemas mau resolvidos, suas feridas e sentimentos de inveja estão disfarçados sob o ar de pureza e boa conduta. No fundo, ele quer apedrejar no outro suas próprias tentações. Se esses cegos conseguissem respeitar os padrões que eles mesmos se impõem, não precisariam punir suas próprias imperfeições enxergando-as nos outros. Às vezes, quando a infelicidade é aguda, a alegria dos outros incomoda. Para quem chora, o riso alheio pode ser odioso. Para quem não enxerga suas próprias falhas, traves e defeitos, é cômodo apontar as dos outros. Para quem não consegue se ocupar da própria vida é mais fácil invadir e querer cuidar das dos outros. Para quem escolhe abrir mão de si mesmo, escolhendo alguém para pensar por si, escolher por si... fica-lhe impossível enxergar a lei do Cristo. Esquecem que existe antes de tudo, entrega, sinceridade e real interesse. Mas para esses, o amor tem sempre condições, regras e tabus. Por isso, não é incondicional... Eles não criam valores e virtudes que o levem além de si mesmos, ao além homem. Eles, depois de terem cumprido as 10 virtudes diárias (todas pré-dadas) deitam-se tornando-se quem eles mesmos são: - porcos abandonados... tristes, vazios e cheios de culpa...

Acontecimento


Fui tocado por um acontecimento devastador onde ficaram para trás vestígios e perfumes. Arrancou-me da resignação. Mostrou-me a vibração das estrelas e a impermanencia das seguranças ilusórias de angústias disfarçadas. Fui tocado pela vida e flores abandonadas em túmulos, cresceram em minha ferida. Essas flores não murcham, pois sempre as rego, converso, canto e ponho-as ao sol de dia e ao sereno e orvalho da noite. Elas me recordam do acontecimento que me trouxe de volta à vida. Lembram-me da dor do (re)nascimento. A vida que pulsa e se desloca a todo instante. De noite, perfumes invadem meu quarto, querendo me arrastar para a força acomodadora da ilusão. Abro os 0lhos, a única companhia é o silêncio e o resto de uma garrafa de vinho. Assim, brindo junto à solidão os ensinamentos que o evento devastador deixou-me junto ao coração. Agradeço a Deus. Entendo agora que quando sou tocado pela alegria, a tristeza se esconde atrás das cortinas. Quando sou visitado pela tristeza e a melancolia; alegria e felicidade descansam numa cúpula, renovando os acontecimentos vindouros. Esses acontecimentos virão em uma nova festa: de amor, vinho e serpentina. Nesse movimento vou boiando e deixando esse grande mar me levar. Quando avisto algumas ondas, aquelas prestes a estourar, dou algumas braçadas, me assegurando para não me afogar e também para evitar a queda. Mas sempre que posso prefiro confiar na perpétua instabilidade que é o coração da Terra.

Surpresa

(...) surpresa: vou entrando. Ele em meio a absurdos. Sento, cruzo as pernas, ele sorri. Abro um vinho, ele bebe e fala. Não presto atenção. Lembro da distancia, tento me aproximar. Ele vai até a janela, acha que vai chover, me aproximo. Ele se vira, face to face, e diz: talvez na próxima. No dia em que tudo voltar ao normal, os amores vão dar certo. As discussões serão feitas de bons argumentos, os vinhos, de boas uvas.
Camilla Tebet (jornalista e autora do blog: http://essepapo.nafoto.net)