Ouvir...






O homem está dividido dentro de si. A vida volta-se contra si própria através da agressão, do ódio e do desespero. Estamos habituados a condenar o amor-próprio; mas aquilo que queremos realmente condenar é o oposto do amor-próprio. É aquela mistura de egoísmo e aversão por nós mesmos que permanentemente nos persegue, que nos impede de amar os outros e que nos proíbe de nos perdermos no amor com que somos eternamente amados. Aquele que é capaz de se amar a si próprio é capaz de amar os outros; aquele que aprendeu a superar o desprezo por si próprio superou o seu desprezo pelos outros.

Mas a profundidade da nossa separação reside, justamente, no fato de não sermos capazes de um grande amor, clemente e divino, por nós próprios. Pelo contrário, existe em cada um de nós um instinto de autodestruição, tão forte como o nosso instinto de autopreservação. Na nossa tendência para maltratar e destruir os outros existe uma tendência, visível ou oculta, para nos nos destruirmos.


A crueldade para com os outros é sempre também crueldade para com nós próprios. Deste modo, o estado de toda a nossa vida é o distanciamento dos outros e de nós próprios, porque estamos distanciados da Razão do nosso ser, porque estamos distanciados da origem e do objetivo da nossa vida. Estamos separados do mistério, da profundidade e da grandeza da nossa existência. Ouvimos a voz dessa profundidade, mas os nossos ouvidos estão fechados. Sentimos que algo radical, total e incondicional nos é exigido; mas rebelamo-nos contra isso, tentamos fugir à sua urgência e não aceitamos a sua promessa.


"O primeiro dever do amor é escutar" (Paul Tillich)

Ainda está chovendo...






Ainda está chovendo. Não posso deixar de sentir os pequenos acenos de meu corpo em direção as águas que agora caem. Livro-me de algumas roupas e deixo que a chuva caia sobre mim. Sento por alguns intantes sobre o chão e fecho meus olhos. Em meu corpo começam a brotar as sementes que antes não vingavam. Perdo-o a todos, enclusive a mim mesmo. Por alguns instantes, sinto uma alegria juvenil pairando sobre minhas pernas, um pouco cansadas. Refresco-me, refaço-me, renasço dessas águas junto as plantas que sacodem pingos pelo vento, que diante de mim aplaudem a liberdade que contemplo. Existem flores que desabrocham apenas aos olhares atentos que quem se assusta e sente o sopro epifanico da existencia... O começo, o meio e o FIM caminhando juntos no ritmo do infinito...