Suicídio


O suicídio está aí (quem sabe, escolha?) então há como questioná-lo, não há como julgá-lo. Porque as decisões sobre o vivido não são lógicas, e a decisão pessoal, em qualquer momento de nossa vida, embora aparentemente se resolva num sim ou num não, esconde conflitos irresolvíveis, ambiguidades insondáveis, perguntas jamais formalizadas, perguntas que nem sequer procuram resposta, mas que rodam sobre si mesmas em espiral infindável. Essa imponderabilidade em relação ao que cada um de nós vive (...) é a fragilidade que sustenta nosso existir. Então, qual a razão de perguntarmos, por quê? Não se pode dizer. Estamos perguntando sobre algo alheio a resposta, no contexto explicativo, será também alheio. Pela curiosidade intelectual, nos livramos de assumir (com propriedade) a pergunta. Pergunta: E quando numa filosofia do absurdo a marca da autenticidade violenta o homem na apropriação de um espaço sem outros horizontes do que aqueles que o atam definitivamente a um destino? Quando só resta a clareza do momento presente, quando a lucidez se instala numa vida sem futuro, sem esperança, sem ilusões?


"Um gesto como este se prepara no silêncio do coração, da mesma maneira que uma grande obra. O próprio homem ignora (...) Começar a pensar é começar a ser minado. A sociedade não tem muito a ver com estes começos. O verme se acha no coração do homem. É ali que é preciso procurá-lo. É preciso seguir e compreender este jogo mortal que arrasta a lucidez em face da existência à evasão para fora da luz". (Camus)


Mas, em regra, quando se suicida um próximo de quem gostamos e que gostava de nós, não atribuímos vergonha e culpa a terceiros: esses sentimentos surgem em nós, ao descobrir que nossa presença e nosso amor não bastaram para que o outro quisesse viver. Em alguns casos, essa ferida nunca cicatriza. Quando o suicida é nosso pai ou nossa mãe, o sentimento de não termos sido a razão suficiente para ele ou ela viverem fica conosco para sempre, como um fundo melancólico, como a sensação de uma insuficiência essencial ou de uma impossibilidade de sermos amados. A verdade é que, uma vez os fatos acontecidos, somos capazes de interpretar, de encontrar explicações e mesmo de assumir responsabilidades e culpas que temos ou não temos. Mas tudo isso apenas retroativamente.Em matéria de comportamento humano, somos quase sempre incapazes de prever. Não sei se é um mal: talvez essa ignorância seja a condição de nossa liberdade (C. Calligaris)

"Assim extraio do absurdo três consequências que são minha revolta, minha liberdade e minha paixão. Apenas com o jogo da consciência transformo em regra de vida o que era convite à morte e recuso o suicídio" (Camus)

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