Encontro (T.V)


É noite de sábado. Ele acabara de preparar o jantar. Costumava jantar sozinho há anos. Colocava em sua mesa sempre dois pratos. Um para ele e outro para sua mulher, já falecida. Desde seu funeral, sua vida começou a declinar. Perdera amigos, familiares. Ninguém conseguia permanecer ao seu lado por muito tempo. Se fechara em um mundo próprio e desiludido passou a desenvolver hábitos estranhos. Hábitos noturnos. Todas as noites, às 3h da manhã acordava. Dizia que sempre ás 3h (horário em que sua esposa morreu) ela o visitava pela janela de seu quarto. Ouvia barulhos, via vultos. Conversava consigo mesmo, e quando conversava com ela, era com ele mesmo também, um resquício de sua mulher. Tudo falava de uma solidão sombria e intensa. Dizia que atrás das árvores nos fundos da casa, conseguia observar sua esposa acenar em meio ao bosque. Sempre vestida de branco e com os pés descalsos. Ela o convidava para o outro lado. Ele, sempre foi cético. Mas agora desejava iniciar sua entrada ao mundo desconhecido do sono sem volta. Terminara seu jantar. Se banhou e vestiu uma linda roupa. Perfumou-se e constantemente sorria olhando para os céus. Subindo as escadas do último andar, viu o vulto de sua mulher brevemente pela fresta da janela. Ele jamais pensara que o fluxo da vida era o devir. Que tudo flui e nada permance. As estações da natureza, as árvores, as plantas e os animais nos ensinam as etapas da vida. Mas ele nunca prestara a devida atenção. Se acomodou em uma ilusão, em um sonho, onde fizera de sua mulher seu porto seguro. Com ela, o mundo podia desabar que ele continuava seguro de si. Depois de sua morte, perdeu-se de si, confundiu-se com a noite, tropeçava em sombras e não ordenava mais seus pensamentos. Sua chama já não lhe servia para viver os dias. Subiu ao último andar de sua casa, pela sacada subiu aos telhados. Para ele, aqueles eram os telhados do mundo. Contemplou a noite, beijou o infinito... e num ímpeto de desejo e lucidez, se jogou para os braços da morte... crendo que seria para os braços de sua amada...

Nenhum comentário:

Postar um comentário