A vela contra o vento... (T.V)




Colocou a vela contra o vento. Desejo de escuridão. Depois da tempestade, há horas não havia luz artificial para iluminar a noite. Depois de um tempo, as nuvens haviam limpado do céu e a lua refletia um pouco dos reflexos de luz que recebia do grande astro do outro lado do mundo. Uma brisa fresca vinha saudar os dias de verão. A garrafa estava vazia. Abria-se outra e contemplava-se a noite. Havia muita paz. Seus olhos percorriam o escuro do céu. Estrelas brilhavam ao redor da lua. Outra vela contra o vento: mais escuro. E pensava em todas as suas aspirações: Seu trabalho, seus amores, seus anseios. Percebia o tempo como um aliado necessário, embora conhecesse Khronos: o grande devorador. Dimensionava-se no tempo e posicionava-se diante da vida que se vive - aqui e agora. Disciplinava-se a viver o hoje e o instante presente: tudo é vida e para ele, só existia o instante presente. Não renunciava à liberdade para livrar-se da angústia. Acolhia a dor de ser. Esvazia-se para logo depois transbordar. Mergulhava na imensidão do céu e da vida. Bebia mais vinho; tudo o que de mais antigo há. A bebida sagrada, o milagre de Cristo. Tudo se tornava intenso e profundo. Se perdia, se encontrava. Morria, ressuscitava. Viajava por imagens que apenas sua mente produzia, nostalgia, saudades, melancolias e alegrias.
Uma leve tristeza lhe sorria, emudecia sua fala e evacuava seus pensamentos. Voltara então, a habitar o instante presente. Permitia-se chorar por breves instantes, diante da alegria de viver, a alegria de uma criança que vive e não pergunta por quê - sabe-se que não há resposta a altura de sua pergunta. Essa precariedade de sentidos se tornara clara e presentificara sua alma: - Dádiva, ocaso, milagre, coincidência, chão e abismo. Nessa hora da noite o telefone tocara, um antigo amor retornava para celebrar a saudade. Escutou, mas já não sintia a chama que ardia por cuidado. Despedia-se e voltava a estar sob a janela onde a noite se deitava e repousava sua escuridão: beleza e mistério. Amava a noite, e por ela às vezes vagava. Outrossim, as pessoas desprezam aqueles que caminham pelas noites. Temem os solitários, desconfiam de sua sabedoria. Eles tem medo do que não podem ver e do que não se pode antecipar. Ele, amava o mundo, os lugares escuros, desconhecidos, os pensamentos inabitados, as águas límpidas e os becos lamacentos: os cantos onde apenas ele visitava, lugares onde apenas ele conhecia. O medo existe para os que temem a vida e sua imensidão, temem a morte pois, afinal temem a vida.
A casa estava vazia quando de repente algo batia em sua porta. Alguém se aproximara, uma mulher. Havia tempos que não se viam. Uma decisão havia sido tomada, sem muito planejamento. Seus cabelos desmanchados pelo vento acentuavam a beleza da noite. Seu perfume havia invadido a sala e mais tarde possuído seu quarto, sua cama. Ela entra e ao o ver diz: - “Você tem algum vinho? Preciso conversar com você! Precisava te ver, te beijar! Sentir você! Hoje vamos celebrar a vida, a noite, a falta e o excesso, o tudo e o nada! Precisava te ver! Me dê um abraço!”. Daquele momento em diante não há mais o que descrever, conversaram sobre tudo, horas a fio, regadas a vinho e pouco silêncio. Porém, quando houve silêncio, silêncio de verdade: - palavras sem tradução, palavras não possibilitariam expressar o que seria impossível transcrever. Mas, o que todos ouviram é que Deus e os anjos cantavam e assobiavam pela escuridão... nas janelas e ao redor da casa. Pelo jardim da casa, via-se criaturas deslizarem pelo orvalho, cheiros e perfumes da noite, da terra, das plantas, da vida... sem antecipar nada, tudo aconteceu. E foi então surpreendido pelo susto de estar vivo e pelo ímpeto de um amor adormecido... a última vela foi posta pelo vento: adormeceram.

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