Renascer e Reencontrar-se


O mundo é a beleza de Deus refletida. Uma grande obra de arte, um mosaico, cheio de cidades, de culturas, de pessoas e seres. Mas, o nosso sistema social separa, coisifica e aliena. Tudo deve ser pesando em termos de progresso, de crescimento, de abundância e acúmulo. O grande fetichismo da mercadoria - a idolatria do bezerro de ouro – que castra o homem em sua dimensão religiosa e sagrada, que o corta como em uma ruptura o “ligado e religado” (religião: do latim religare - religar-se, reinserir-se).
Quem não se espanta, quem não vai à vida, quem não vai à fonte para beber água pura - não é religioso. Ser religioso é acreditar na Terra e no Outro: amar o próximo, amar o mundo: seu céu, suas montanhas, seus seres, suas colinas, seu gramados, seu peixe, seu vinho. É ter coragem de crer que o homem tem a vocação (do latim vocare: aquilo que me chama, que me convoca) de ligar-se, de encontra-se consigo mesmo e com Deus.
A confiança eufórica na Razão fez com que perdêssemos a capacidade de afirmar nossa pertinência com a existência, com os aparentes opostos, as ambigüidades, os mistérios e a própria inospitabilidade. O dia e noite, saúde e doença, vida e morte, luz e sombra, claridade e escuridão, fogo e água, alegria e tristeza, água e vinho, silêncio e palavra. Com a supervalorização da tecnologia, passou-se a fornecer ao homem respostas que o “tranqüilizem”, inaugurando um novo modo de investigar e conhecer o mundo. Procurando encontrar um ponto de apoio seguro em que possa basear todo o conhecimento e dar-lhe estabilidade, linearidade (onde? na razão). Apoiando o conhecimento na razão, a tradição ocidental acredita poder torná-lo preciso, claro, estável. Sendo então, capaz de fornecer ao homem respostas definitivas e findar com sua angústia. A partir de então, por meio do conhecimento científico e da técnica o homem procura prever e controlar o mundo, a natureza, os fenômenos sociais, a opinião pública, o comportamento das massas e das pessoas.
Percebam a ambigüidade: Necessitamos de amigos de confiança, mas nos isolamos e ficamos no virtual. Desejamos um êxtase de prazer sexual, mas hoje em dia, descartamos qualquer tipo de compromisso. Falamos de motivação dentro de uma perspectiva onde é produzida por posses e dinheiro. E falamos muito, no entanto, não percebemos que apesar disso estamos mudos. Falamos de qualquer coisa, menos de nós mesmos.
Percebam como nos relacionamos: num simples diálogo, quando o outro nos diz algo, não o ouvimos (escutamos), e no meio de sua fala arquitetamos uma resposta para chegarmos a um consenso sobre quem está com a verdade. Não trocamos mais experiências, discutimos axiomas!
Assim ficamos impedidos de fundarmos um NÓS com tudo o que existe, sermos UM. Na promessa da Razão que iria tudo iluminar, da ciência que iria tudo explicar e da tecnologia que tudo iria programar ocorreu a ruptura com o contraditório, com o mistério, os lugares sombrios, escuros. A luz que ofusca é aquela que pretende ofuscar o mistério, Deus, o espanto e a surpresa. Essa luz que ofusca é a luz da verdade única - dogma. Querer abolir a tensão necessária da harmonia entre os opostos. Precisamos pensar. Isso não significa dar novas explicações, novas respostas mas sim, novas perguntas! Novas questões e indagações! A renúncia à “segurança” do que acreditamos já saber, sair do comodismo, do conformismo, da resignação. Quebrarmos o gesso e enxergarmos novas possibilidades. Porque Deus e a natureza continuam com seus encantos mas, nosso olhar se tornou desencantado, se tornou frio: racional, explicativo, dono do saber, senhor da verdade.
De fato o ritmo frenético desses novos tempos é que dita a dinâmica de relações e as experiências do ser humano. A idéia do novo, do atual, do fulgaz, do efêmero, parece se direcionar ao caminho inexorável das informações, do marketing e da propaganda, do descartável, do finito, da estética, do consumo. Com toda a transitoriedade, o homam não consegue criar raízes com as coisas, com os lugares, com as pessoas.
Existe algum ser humano aí? Alguém capaz de ouvir?

Heráclito: “Dia e noite são uma e a mesma coisa”.

Fernando Pessoa: “Um dia de chuva e tão belo quando um dia de sol. Ambos axistem; cada um como é”.

T.S. Eliot: “We must be still and still moving into another intensity. For a further union, a deeper communion, through the dark cold and the empty desolation... for us there is only the trying. The rest os not our business”- (Devemos estar sempre e sempre nos movendo para dentro de uma nova intensidade. Por uma união maior, uma comunhão mais profunda, através do escuro frio e da desolação vazia... Para nós, existe apenas a procura. O resto a nós não nos concerne).

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