Vida e Morte...


A morte pertence à estrutura fundamental do ser humano, está sempre presente. É por mela que o ser humano conquista a totalidade da sua vida. Ela é a última extremidade que limita e determina a totalidade do ser. Ela tem o poder de apagar tudo o que não é essencial ao homem. Exige dele aprender a aproveitar o tempo, a vida. Lança-o para o olhar compassivo e com compaixão ouve e escuta os apelos dos outros seres. Passa a enxergá-la não como uma destriuição mas como a última possibilidade. Passa a perceber a vida como algo de imenso valor e lhe dá um sentido para viver e para morrer. Lhe dá a responsabilidade pela existência e a vê como possibilidades a realizar. Aceita o convite para responder as solicitações de tudo o que vêm ao seu encontro.
Somos um pêndulo entre a autenticidade e inautenticidade. O modo inautêntico significa o desvio de cada indivíduo de seu projeto essencial, em favor das preocupações cotidianas, que o distraem e perturbam, confundindo-o com a massa coletiva. O eu individual seria como que sacrificado ao persistente e opressivo eles (todos e ninguém). Isso porque o homem nessa situação persiste em uma negação de si próprio em detrimento dos outros, mergulhando-se numa espécie de alienação. Quando vestimos nossa roupa de médico, advogado etc., fazemos esse movimento de irmos ao mundo, e por instantes deixamos de ser nós mesmos. Mais tarde, se permitirmos, voltamos a existência autêntica. É aquela que coloca cada um de nós (o ser humano) como verdadeiro revelador do ser, sempre acompanhada da angústia. Partindo-se de uma concepção heideggeriana, a angústia é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda. A partir da apreensão da angústia, o homem se percebe como um ser-para-morte. Ela resulta da imperfeição do homem, da falta de base da existência. Quando isso ocorre, Heidegger afirma haver duas soluções: ou o homem foge para a vida cotidiana (onde se ilude numa suposta segurança e sensação de pertencimento), ou supera a angústia, manifestando seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo (suportando e superando a solidão, que passa a ser vista não como abandono mas como um estar consigo mesmo). Cada um de nós deve morrer a sua morte e viver a sua vida. Essa tarefa é insubstituível pois ninguém pode fazê-lo em nosso lugar. É algo que está presente desde o momento em que se dá o primeiro sopro de vida. Quando o ser humano vêm à vida, ele já tem idade suficiente para morrer. Ela nos humaniza, nos conduz a essência do ser homem.
Aqueles que não se permitem sofrer, sentirem dor talvez não saberão do que se trata. São escravos da tirania da razão, sempre pronta a encontrar subterfúgios intelectuais para responder a vida. Mas, jamais se sensibilizam pelo sol que nasce, pelo céu da noite escura ou pelas multiplicidades de existências que o mundo abarca. Julgam e possuem respostas para o indizível. São mestres do discurso e da retórica e dizem possuir a verdade. Esquecem da fragilidade da vida, estala-se numa impressão de ela está sempre garantida e assim, se descuidam. Tudo perde seu valor. A morte e o morrer pode nos acordar desse sono. Enquanto aqueles que acolhem a visitação da angústia, podem sentir a dor e o sofrimento da vida e da morte mas, não sentem raiva, desespero ou rancor diante do fim. Possuem a si mesmos e a alegria serena de uma existência intensa, fiel a si mesma, onde não se precisa de certezas mas, de inquietações.

Sozinho...


Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e carregue com queixas harmoniosas a dor que ela lhe causa. Alegre-se com essa imensidade, para a qual não pode carregar ninguém consigo. Seja bom para com os que ficarem atrás, mostre-se-lhes calmo e sereno sem os atormentar com suas dúvidas, nem os assustar com uma confiança ou uma alegria que eles não poderão compreender. Ame neles a vida sob uma forma estrangeira e tenha indulgência com os homens que, envelhecidos, temem a solidão a que o senhor se confia (Rilke)


O amor


Vou dar uma imagem: "Eu amo tanto você que viveria eternamente ao seu lado". Isto é uma imagem, é uma mentira factual, absoluta impossibilidade. O amor não é dissolução de si mesmo, é promoção de si mesmo com o outro. O tempo de encontro está dizendo que a minha disponibilidade é eterna com você enquanto estou com você, enquanto posso estar com você. Porque eu tenho também outras urgências como pessoa e estas urgências minhas têm a sua importância, o que não substitui aquelas que vivo com você. Eu amo você, com certeza, do modo que é o amor na sua versão mais fundamental: encantamento com aquele jeito de ser. Amar é isso, encantar-se com aquele jeito de ser. Amar não é só um sentimento que me abre para o absolutamente original do outro, mas faz o outro descobrir o divino que ele é. Quem ama faz o outro perceber algo que ele nunca tinha percebido nele. É uma doação magnífica. E a nossa relação é mantida, sustentada por esse tipo de presença um para o outro. A natureza de nossa presença é uma proposta de relação que o outro vai responder como der, puder, quiser. O tempo é uma expressão claríssima da nossa exsitência uns com os outros: tanto o meu amor por você está presente, como este amor não é a única dimensão com a qual eu sou na vida. Não estou dizendo que no amar não há necessidades, mas não se resume a isto. O amar tem a simplicidade da graça,é de graça, amar é promover. (Nichan Dichtcekenian)

Cristo nosso e o Cristo deles...


Mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. De madrugada, porém, ele se apresentou novamente no templo e todo o povo começou a vir a ele, e ele se assentou e começou a ensiná-los. Os escribas e os fariseus trouxeram então uma mulher apanhada em adultério, e, depois de a postarem no meio deles, disseram-lhe: “Instrutor, esta mulher foi apanhada no ato de cometer adultério. Na Lei, Moisés prescreve que apedrejemos tal sorte de mulher. Realmente, o que dizes tu?” Naturalmente, diziam isso para o porem à prova, a fim de terem algo com que o acusar. Mas, Jesus abaixou-se e começou a escrever no chão com o seu dedo. Quando persistiram em perguntar-lhe, endireitou-se e disse-lhes: “Que aquele de vós que estiver sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra.” E, abaixando-se novamente, escrevia no chão. 9 Mas, os que ouviram isso começaram a sair, um por um, principiando com os anciãos, e ele foi deixado só, bem como a mulher que estivera no meio deles. Endireitando-se, Jesus disse-lhe: “Mulher, onde estão eles? Não te condenou ninguém?” Ela disse: “Ninguém, senhor.” Jesus disse: “Tampouco eu te condeno. Vai embora; doravante não pratiques mais pecado.” (João 8: 1-11)
Isso é difícil e nossa tarefa árdua é sugarmos a essência de seu modo de ser... Fizeram regras, leis, com o tempo tudo isso passou a ter mais valor do que o próprio sermão da Montanha.

O aborto da menina...


Matar em nome de Deus pode – “eu abençôo essa guerra!” Mas, realizar um aborto de uma garota menor de idade (estuprada pelo próprio pai) é um pecado maior do que o cometido pelo próprio estuprador. Uma menina de 9 anos (sem corpo para dar a luz teria). Detalhe: o único que não foi excomungado foi o estuprador. Isso, fui obrigado a ouvir pelos rádios esses dias. A razão é a pior das paixões, disse Nietzsche. A razão justifica, tem sempre embasamento pelo fraldão metafísico da ciência, das leis morais, das religiões (instituzionalizadas). Corre-se assim o perigo de perder a essência do ser humano (que é liberdade e não julgamento) .

Alguém pode me dizer o que seria desse filho se viesse ao mundo? Viria com a marca da violência cometida pelo que seria seu avô. Seria filho de um estupro. Seria ela uma criança desejada? Qual seria o lugar dela no mundo? Sua história? Como uma criança de 9 anos poderia ser mae? Fisicamente e emocionalmente? Essa criança lembraria sempre a violência que essa criança sofreu e a vergonha diante disso. Como uma criança poderia cuidar de outra? Alguém pode se colocar no lugar da menina estuprada? Não, a razão não permite, ela compra idéias. Tira a responsabilidade de cada um e delega a outro. Outro faz por mim, decide por mim, resolve por mim. Eu não sigo a mim mesmo, eu sigo o meu manual de instruções: portanto eu a excomungo! É mais fácil ser regido por outros do que reger a si mesmo.
Não só. A razão faz com que eu atire minha filha da janela e justifique dizendo: " eu não estava ali". A razão constrói caminhos para o recalque e faz das mentiras meias verdades. Faz com que enxerguemos verdades, onde a mutabilidade se exclui e a sedução do apego faz seu afago. A razão não permite nos colocar no lugar do outro, para enxergar brevemente pela sua ótica. Muitos são contra o aborto. Penso que cada caso é um caso, e é a pessoa que no final deverá carregar sua própria carga. Muitos dizem, que se cada caso é um caso, tudo poderá ser permissivo. Pode ser, mas o pensamento moral daquele que lida com casos subjetivos e ímpares é sempre mais sensível, complexo e profundo do que o pensamento de quem lida com princípios. Existe algum ser humano aí dentro?
Escravos do artifício, homens-máquinas...


"Vós julgais segundo a carne; eu não julgo a nenhum homem" (João 8:15)

"Parai de julgar, para que não sejais julgados; 2 pois, com o julgamento com que julgais, vós sereis julgados" (Mateus 7:1)

Quisera dar e repartir até que os sábios tornassem a gozar da sua loucura e os pobres da sua riqueza (...) Então vê lá como te arranjas para te aceitarem os tesouros. Eles desconfiam dos solitários e não acreditam que tenhamos força para dar. (trechos de Assim Falava Zaratustra: Nietzsche)

Renascer e Reencontrar-se


O mundo é a beleza de Deus refletida. Uma grande obra de arte, um mosaico, cheio de cidades, de culturas, de pessoas e seres. Mas, o nosso sistema social separa, coisifica e aliena. Tudo deve ser pesando em termos de progresso, de crescimento, de abundância e acúmulo. O grande fetichismo da mercadoria - a idolatria do bezerro de ouro – que castra o homem em sua dimensão religiosa e sagrada, que o corta como em uma ruptura o “ligado e religado” (religião: do latim religare - religar-se, reinserir-se).
Quem não se espanta, quem não vai à vida, quem não vai à fonte para beber água pura - não é religioso. Ser religioso é acreditar na Terra e no Outro: amar o próximo, amar o mundo: seu céu, suas montanhas, seus seres, suas colinas, seu gramados, seu peixe, seu vinho. É ter coragem de crer que o homem tem a vocação (do latim vocare: aquilo que me chama, que me convoca) de ligar-se, de encontra-se consigo mesmo e com Deus.
A confiança eufórica na Razão fez com que perdêssemos a capacidade de afirmar nossa pertinência com a existência, com os aparentes opostos, as ambigüidades, os mistérios e a própria inospitabilidade. O dia e noite, saúde e doença, vida e morte, luz e sombra, claridade e escuridão, fogo e água, alegria e tristeza, água e vinho, silêncio e palavra. Com a supervalorização da tecnologia, passou-se a fornecer ao homem respostas que o “tranqüilizem”, inaugurando um novo modo de investigar e conhecer o mundo. Procurando encontrar um ponto de apoio seguro em que possa basear todo o conhecimento e dar-lhe estabilidade, linearidade (onde? na razão). Apoiando o conhecimento na razão, a tradição ocidental acredita poder torná-lo preciso, claro, estável. Sendo então, capaz de fornecer ao homem respostas definitivas e findar com sua angústia. A partir de então, por meio do conhecimento científico e da técnica o homem procura prever e controlar o mundo, a natureza, os fenômenos sociais, a opinião pública, o comportamento das massas e das pessoas.
Percebam a ambigüidade: Necessitamos de amigos de confiança, mas nos isolamos e ficamos no virtual. Desejamos um êxtase de prazer sexual, mas hoje em dia, descartamos qualquer tipo de compromisso. Falamos de motivação dentro de uma perspectiva onde é produzida por posses e dinheiro. E falamos muito, no entanto, não percebemos que apesar disso estamos mudos. Falamos de qualquer coisa, menos de nós mesmos.
Percebam como nos relacionamos: num simples diálogo, quando o outro nos diz algo, não o ouvimos (escutamos), e no meio de sua fala arquitetamos uma resposta para chegarmos a um consenso sobre quem está com a verdade. Não trocamos mais experiências, discutimos axiomas!
Assim ficamos impedidos de fundarmos um NÓS com tudo o que existe, sermos UM. Na promessa da Razão que iria tudo iluminar, da ciência que iria tudo explicar e da tecnologia que tudo iria programar ocorreu a ruptura com o contraditório, com o mistério, os lugares sombrios, escuros. A luz que ofusca é aquela que pretende ofuscar o mistério, Deus, o espanto e a surpresa. Essa luz que ofusca é a luz da verdade única - dogma. Querer abolir a tensão necessária da harmonia entre os opostos. Precisamos pensar. Isso não significa dar novas explicações, novas respostas mas sim, novas perguntas! Novas questões e indagações! A renúncia à “segurança” do que acreditamos já saber, sair do comodismo, do conformismo, da resignação. Quebrarmos o gesso e enxergarmos novas possibilidades. Porque Deus e a natureza continuam com seus encantos mas, nosso olhar se tornou desencantado, se tornou frio: racional, explicativo, dono do saber, senhor da verdade.
De fato o ritmo frenético desses novos tempos é que dita a dinâmica de relações e as experiências do ser humano. A idéia do novo, do atual, do fulgaz, do efêmero, parece se direcionar ao caminho inexorável das informações, do marketing e da propaganda, do descartável, do finito, da estética, do consumo. Com toda a transitoriedade, o homam não consegue criar raízes com as coisas, com os lugares, com as pessoas.
Existe algum ser humano aí? Alguém capaz de ouvir?

Heráclito: “Dia e noite são uma e a mesma coisa”.

Fernando Pessoa: “Um dia de chuva e tão belo quando um dia de sol. Ambos axistem; cada um como é”.

T.S. Eliot: “We must be still and still moving into another intensity. For a further union, a deeper communion, through the dark cold and the empty desolation... for us there is only the trying. The rest os not our business”- (Devemos estar sempre e sempre nos movendo para dentro de uma nova intensidade. Por uma união maior, uma comunhão mais profunda, através do escuro frio e da desolação vazia... Para nós, existe apenas a procura. O resto a nós não nos concerne).

Ecologia


A modernidade se instaurou pela vontade de poder. Bem-traduzida, significa vontade de dominar os outros e vontade de submeter a natureza e de lucrar (saber é poder, de Francis Bacon). Bacon, é ainda mais explícito ao escrever que o saber e o poder existem para "amarrar a Natureza a teu serviço e fazê-la tua escrava". Parte-se do falso pressuposto de que nos movemos entre dois infinitos: o infinito dos recursos naturais e o infinito do progresso linear. Hoje, em consequência deste modo de ser, roçamos os limites do apocalipse nuclear ou de uma hecatombe ecológica. Denuncia-se sua voracidade numa expressão clássica dos gregos: hybris (desejo desenfreado, ambição desmesurada, quebra da justa medida). Precisamos abandonar de vez nosso paradigma ocidental - da identidade e da assimilação do diferente dentro da identidade - para abir-se a uma percepção bíblica e arcaica, segundo a qual não se conhece o igual através do igual, mas os desiguais se conhecem reciprocamente pelo reconhecimento de suas diferenças. É o principio de Noé. Em sua arca transportou animais de todas as espécies para além dos interesses utilitários humanos. Devemos afirmar nossa comunhão com o todo. O ser humano precisa se reconciliar com o universo. Não precisa ter vergonha de suas raízes cósmicas. O ser humano é um fim. Mas não um fim último. Nem coroa da criação. é um irmão e uma irmã das lesmas e das estrelas. O ser humano vem compreendido em sua inserção, em sua solidariedade e em comunhão com o conjunto dos seres. Abrir uma esperança de uma criação mais re-encantada, de um ser humano, homem e mulher, mais ternos e fraternos com todos os demais seres da natureza. Precisamos chamar um mudança de consciência, um repensar de quem somos e de qual nosso lugar no Todo. (Leonardo Boff, trechos do prefácio do Livro "Encantamento do Humano", de Nancy Magabeira Unger)