Céus e Terra


Os céus Pertencem à Deus mas, a terra ele deu aos filhos dos homens. Quem desce ao silêncio não pode Louvar a Deus. Então louvaremos agora (...) Salmos 115:16-17

Amigo pt.2


Amigo não é aquele que conforta, que passa sua mão sublime por sua cabeça. Mas é aquele que dispara "piparotes" de impulsos, o que lhe dá "petelecos" de inquietação para que possa ir além de si mesmo. O que impulsiona a vencer, a crescer e não continuar a se recostar em consolo e resignação. (Juliano Pessanha - em uma aula sobre Assim Falava Zaratustra)

Amigo


Ó, meu amigo, o Homem é o que deve ser ultrapassado. Serás para o teu amigo ar puro e solidão, pão e reconforto? Mais de um que não pode quebrar as suas próprias cadeias soube todavia libertar o seu amigo. És escravo? Não poderás ser amigo. És tirano? Não poderás ter amigos (Nietzsche)

Traumas (Calligaris)


O "NEW York Times" de 6 de abril passado publicou um artigo de capa sobre pesquisas recentes graças às quais, um dia, será possível "editar memórias indesejáveis" (por exemplo, Heida, Englot, Sacktor e outros, "Neuroscience Letters", vol. 453, nº 5).

Apesar dos progressos da neurociência, estamos longe de entender exatamente o que é a memória. Simplificando, uma lembrança parece depender de substâncias que constroem pontes entre células do cérebro, pontes silenciosas, mas que podem ser imediatamente solicitadas caso um evento venha a ativar uma das células. Por exemplo, se você for Proust, quando der uma dentada numa madeleine, você não vai apenas saber que já comeu uma madeleine no passado: o gosto do docinho vai circular por inúmeras pontes e despertar todas as células relacionadas com as experiências de sua infância em Combray.Até aqui, pensava-se que uma centena de moléculas estivesse envolvida na construção dessas pontes entre células.

A nova pesquisa encontrou uma substância, a proteína PMKzeta, cujas moléculas, mais do que outras, constituem e fortalecem as ditas pontes que, uma vez ativadas, produziriam uma lembrança. A pesquisa operou assim: escolheu ratos que tinham aprendido (de maneira permanente) a evitar pequenos choques elétricos no chão. Logo, injetou, no próprio lugar da dita memória, uma droga, chamada ZIP, que inibe a PMKzeta. E eis que os ratos voltaram à estaca zero: agiam como se não conhecessem o terreno.

Em tese, se a coisa funcionar nos humanos, deveria ser possível consolidar as lembranças injetando no cérebro PMKzeta (ou estimulando sua produção). Imagine as aplicações possíveis na demência senil ou, simplesmente, no envelhecimento (sem contar que todos começariam a querer injeções de PMKzeta para melhorar a memória deles e a de seus filhos). Até aqui, tudo bem.

O problema está na outra aplicação possível da pesquisa. O articulista do "Times" se entusiasmava com a ideia de que, um dia, com injeções cerebrais de ZIP, poderíamos produzir o esquecimento das lembranças desagradáveis ou traumáticas claro, se a gente dominar o processo com precisão (para esquecer uma briga de casal, você não quer, ao mesmo tempo, perder a lembrança de seu primeiro beijo). Essa atitude do articulista talvez seja (perigosamente) compartilhada por parte da comunidade científica; ela se funda na ideia de que um trauma seria uma lembrança que nos estorva por ser, ao mesmo tempo, excessiva e desnecessária. Vistas do consultório de um psicoterapeuta, as coisas não estão bem assim.

Primeiro, a ideia de que a lembrança do trauma seria desnecessária e descartável é problemática. Se você foi estuprado na infância, é provável que você tenha construído sua vida inteira ao redor da lembrança dessa violência sofrida. Imaginemos, por exemplo, que, desde então, a figura que dá sentido à sua vida seja a da vítima: suprimir essa lembrança com uma injeção significaria suprimir um dos alicerces de sua personalidade e de sua existência. O que sobrará de você sem aquela lembrança traumática?

Outro problema. Tudo indica que um trauma não é uma lembrança nociva por ser forte demais; ao contrário, em geral, ele é um evento mal lembrado ou lembrado de maneira insuficiente. Mesmo caso: você foi estuprada quando criança; em muitos casos, essa experiência é traumática porque é lembrada SÓ como uma violência penosa que você sofreu. Você não memorizou, por exemplo, sua satisfação em se sentir objeto da atenção de um adulto ou mesmo sua descoberta culpada de emoções e sensações que lhe eram, até então, desconhecidas. O fato de reativar essas lembranças não desculpa o adulto estuprador, mas, para você que sofreu a violência, o sentido da experiência passada muda bastante; talvez não lhe seja mais necessário se conceber para sempre como vítima da vida.

Em suma, a solução do trauma não consiste em apagá-lo, mas, ao contrário, em lembrá-lo melhor. Se quiséssemos usar a técnica da pesquisa citada, eu sugeriria, no lugar onde o trauma está registrado, injeções de PMKzeta para ajudar a memória, não de ZIP para apagá-la.O tempo das injeções cerebrais nos prontos-socorros ainda está longe. Mas não é cedo para notar que a cura das experiências penosas de nossa vida não está no esquecimento, mas no esforço para se lembrar delas em toda sua incômoda complexidade

Eclesiastes

Vai, come o teu alimento com alegria e bebe o teu vinho com um bom coração, porque o Deus já achou prazer nos teus trabalhos. Desfrute a vida com a esposa que amas, todos os dias da tua vida vã que Ele te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade. Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho debaixo do sol. O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não há conhecimento nem sabedoria. (Eclesiastes 9:7-10)

Maus Amigos


"Maus amigos são aqueles que falando candidamente, insinuando, bajulando e fazendo habilidoso uso das palavras, conquistam o coração dos ignorantes e destroem a bondade da mente das pessoas." (Nitiren Daishonin )

caminhar



"Não caminhe atrás de mim; eu posso não liderar. Não caminhe na minha frente; eu posso não seguir. Simplesmente caminhe a meu lado e seja meu amigo."
(Albert Camus)

Há Doenças Piores que as Doenças (Fernando Pessoa)


Há doenças piores que as doenças,

Há dores que não doem, nem na alma

Mas que são dolorosas mais que as outras.

Há angústias sonhadas mais reais que as que a vida nos traz,

Há sensações sentidas só com imaginá-las

Que são mais nossas do que a própria vida.

Há tanta cousa que, sem existir,existe, existe demoradamente,

E demoradamente é nossa e nós...

Por sobre o verde turvo do amplo rio os circunflexos brancos das gaivotas...

Por sobre a alma o adejar inútil do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada

(Fernando Pessoa)

Rezar


Sua testa estava franzida, sua alma trêmula. Ela sabia que ia tentar rezar e assustava-se. Como se o que fosse pedir a si mesma e a Deus precisasse de muito cuidado: porque o que pedisse, nisso seria atendida (...) Pedir? Como é que se pede? E o que se pede? Pede-se vida? Pede-se vida. Mas já não se está tendo vida? Existe uma mais real. O que é real? E ela não sabia como responder. Às cegas teria que pedir. Mas ela queria que, se fosse às cegas, pelo menos entendesse o que pedisse. Ela sabia que não devia pedir o impossível: a resposta não se pede. A grande resposta não nos era dada. É perigoso mexer com a grande repsosta. (...) ajoelhou-se trêmula junto da cama pois era assim que se rezava e disse baixo, severo, triste, gaguejando sua prece com um pouco de pudor:


- "alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu não te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre de que também não há explicação (...) faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo (...) faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém. (Clarice Lispector - Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)

Pegadas


As vezes, nos momentos de angústia, ele se sentava à espreita e pedia respostas, precisava delas. Respostas que vinham de dentro, bem do fundo. Nasciam de muita reza e solidão. Ontem passou parte do tempo pensando no que havia de fazer. E então, resolveu escolher uma mulher de um mistério indizível, de uma beleza estrangeira. Seu sorriso o levara a vários cantos do mundo. Seus olhos faziam dissolviam o tédio de domingo. Ela o fazia esquecer que os dias, mesmo tristes, tinham traços lindos. Que embora a vida fosse uma breve aparição, poderia ser lugar e espaço para a aparição dela. Que às vezes, a vida nos mostra que somos sempre um pouco só, mas duas solidões acompanhadas aquecem uma à outra, era é dessa ternura que estava pensando. Ao lado dela, não se aborrecia por pensar que amanhã era segunda-feira. E se perguntava o que havia nela de especial? Pele, perfume, movimento, pausa, dança, ritmo, silêncio, beijo, abraço.
Cheio de medos, seus olhos fechados percorriam as esfera da imaginação. Respostas? O que se há de fazer com uma resposta? Poderá ser elas uma invenção para dar conta de nossa insegurança? A certeza abafa as angústias. Ali, não havia certezas, apenas perguntas e indagações. O ser humano nada mais é do que uma questão em aberto. Mas agora, havia chegado a hora. Tudo no seu tempo, as coisas demoram para amadurecer. E em passeios curtos, por jardins, bosques e praças imaginava estar vivendo uma nova história. Uma nova estação. O inverno passou.
Assim, ele e mais ninguém se permitia estar vivendo de novo o presente divino. Ele se autorizava a isso e mais ninguém. Deixar de amar por medo de sofrer, não seria o mesmo que deixar de viver por medo de morrer?
E quando pensava em seus cabelos, lhe vinha mente pequenos raios de sol. Quando pensava em sua boca (algo que acontecia com frequência) imaginava a maciez e o gosto pessêgos. Seu perfume era como o cheiro da noite, jasmim, baunilha... Seus olhos de um leve toque do oriente. Tudo o que se precisa é deixar acontecer. Quando não se procura, se acha... Quando não se brinca de esconde-esconde pode-se ser encontrado. Quando não se tem sede, a água se transforma em vinho. Companhia: a hora de estar junto e a hora de estar sozinho. Não se pode esperar por trilhas e estradas prontas, há de se trilhar com sangue e dor o seu próprio caminho... Assim a existência se justifica e pode ter uma razão... Encontra sentido sem carimbo de autenticação. Faz música e poesia, a canção própria da vida...

Cazuza

O meu amor agora está perigoso. Mas não faz mal, eu morro mas eu morro amando.
O amor é o ridículo da vida. A gente procura nele uma pureza impossível, uma pureza que está sempre se pondo. A vida veio e me levou com ela. Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga ideia de paraiso que nos persegue, bonita e breve, como borboletas que só vivem 24 horas. Morrer não doi (Cazuza)

The Invitation


Inspirado por Sonhador da Montanha Oriah, ancião índio americano, maio de 1994.

Não me interessa o que você faz para ganhar a vida.
Quero saber o que você deseja ardentemente, se ousa sonhar em atender aquilo pelo qual seu coração anseia.
Não me interessa saber a sua idade.
Quero saber se você se arriscará a parecer um tolo por amor, por sonhos, pela aventura de estar vivo.
Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a sua lua.
Quero saber se tocou o âmago de sua dor, se as traições da vida o abriram ou se você se tornou murcho e fechado por medo de mais dor!
Quero saber se pode suportar a dor, minha ou sua, sem procurar escondê-la, reprimi-la ou narcotizá-la. Quero saber se você pode aceitar alegria, minha ou sua; se pode dançar com abandono e deixar que o êxtase o domine até a ponta dos dedos das mãos ou dos pés, sem nos dizer para termos cautela, sermos realistas, ou nos lembrarmos das limitações de sermos humanos.
Não me interessa se a história que me conta é a verdade.
Quero saber se consegue desapontar outra pessoa para ser autêntico consigo mesmo, se pode suportar a acusação de traição e não trair a sua alma. Quero saber se você pode ver beleza mesmo que ela não seja tão bonita todos os dias, e se pode buscar a origem de sua vida na presença de Deus. Quero saber se você pode viver com o fracasso, seu e meu, e ainda, à margem de um lago, gritar para a lua prateada: ‘Posso!’
Não me interessa onde você mora ou quanto dinheiro tem.
Quero saber se pode levantar-se após uma noite de sofrimento e desespero, cansado, ferido até os ossos, e fazer o que tem de ser feito pelos filhos.
Não me interessa saber quem você é e como veio parar até aqui.
Quero saber se você ficará comigo no centro do incêndio e não se acovardará. Não me interessa saber onde, o quê, ou com quem você estudou.

O mundo estava no rosto da amada - ( RILKE )


O mundo estava no rosto da amada

e logo converteu-se em nada,

em mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei no rosto amado,

um mundo à mão, ali, aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.

Mas eu também estava pleno de mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

Hora Grave (Rilke)


Quem agora chora em algum lugar do mundo,

Sem razão chora no mundo, Chora por mim.


Quem agora ri em algum lugar na noite,

Sem razão ri dentro da noite, Ri-se de mim.


Quem agora caminha em algum lugar no mundo,

Sem razão caminha no mundo, Vem a mim.


Quem agora morre em algum lugar no mundo,

Sem razão morre no mundo, Olha para mim.

Rilke


A vida brota do mais profundo de cada um de nós e essa incursão (que é quase um excurso) pode, em minha opinião, ser comparável a um retorno ao momento primordial e primeiro da nossa existência, quando submersos no líquido amniótico, distantes do mundo ao qual em breve pertenceremos, apenas nos chegam os disformes fragmentos de algo que desconhecemos.Aceitá-lo como um destino e nunca pretender uma recompensa vinda do exterior. A visão do criador como um microcosmos (“o criador deve ser todo um universo para si próprio”) que se basta a si próprio e nele tudo encontra, bem como no pedaço da natureza com que se identificou, conduz ao internamento do “Eu” em si mesmo, a uma solidão “estratégica” que se refletirá em poesia. A introspecção trilha os caminhos próprios necessários à maturação do “Eu” e à inevitável identificação da arte com a vida. As respostas do discípulo só poderão ser encontradas em si, no “espaço” mais solitário e simultaneamente mais povoado que existir possa, o espírito. (R. M. Rilke)

Devaneios (0h00)...

Bebo um pouco de vinho. Fecho meus olhos e vejo um universo: A beleza de uma imensidão, mistério vazio. Caminho como um estrangeiro por lugares escuros, desertos cósmicos onde apenas eu me faço companhia. Uma força fala por si só: - vida... Há de se recolher o acontecimento e lhe emprestar a fala... Deixo fluir agora meus devaneios...

Conheci uma mulher, de cabelos fios de ouro
Senti um prazer quando a ouço falar, sua voz, sua boca
Com ela não existe diferenças: a coisas erradas e as certas
Ouço suas angústias, seus pesos, suas tarefas...
Bela como a noite, ouço suas dores, suas alegrias e seus medos
Não percebi onde tudo poderia dar, mas tudo é bom por esse caminho
suas mãos, seus beijos, seus cabelos
Sua boca: pêssegos e vinho...

(vinho)

O abraço pra quem sabe,
é para ninguém se sentir sozinho
Olhar e carícia: aceno e despedida
Quando o corpo pede descanso é hora de partir
Quem conhece sabe, fica-se triste e feliz
Do seu lado pode-se ficar sem palavras
E num silêncio pleno, descansar e respirar
Como quem cheira uma flor de mil pétalas e mil perfumes...
Estou um pouco inebriado: de paixão e vinho, dá-me mais...

(vinho)

Já não sei onde quero estar
Sinto-me boiando como num grande mar...
Imensidão azul: fúria e serenidade...
Há de se viver a tragédia e a alegria...
Somos árvores passageiras, ficam as raízes...
Que podem voltar a brotar ou secar
É preciso amar tudo o que a vida nos dá e tira
O riso e o choro - A morte e vida
Viver a subida sem deixar de olhar à queda...
E tornar de nossa morte um dia de festa...


Boa noite Deus! ... Mais um gole de vinho... As palavras sempre buscam algum lugar. Seguem por seu próprio caminho. As palavras são pássaros construindo ninhos... Os ninhos são transitórios por isso, desolados. Pertencem por pouco tempo e seguem muitos destinos...

chuva


Antes de amahecer começou a chover, e eu não pude ver a chuva molhando a cidade sem tirar toda a minha roupa para senti-la em mim também (Juliano Pessanha)