Frases


"A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas". (Proust)

"Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras."(Proust)

"E nenhum poema será tão grande, tão nobre, tão verdadeiramente digno do nome de poesia quanto aquele que foi escrito tão só e apenas pelo prazer de escrever um poema". (Edgar Allan Poe)

"As quatro condições elementares para a felicidade são: vida ao ar livre, amor de mulher, ausência de qualquer ambição e a criação de um novo e belo ideal." (Edgar Allan Poe)

Toma-me

Tome-me todo. Sou teu de dia e sou teu de noite. Quando sonho, durmo contigo. Toma-me todo. Suga-me e me torne cinzas, pois dela renasço. Ponha-me em teu seio, faça-me beber de teus líquidos e deixe-me afogar em teus beijos. Abra-me pelo avesso e deixe que dentro de ti eu desabroche. Me trague e aspire como fumaça na luz resplandecente do dia e no escuro sublime das noites. Leve-me como sombra e me trague a pequena morte todos os dias. Grite e sussurre em mim, me deixe adormecer em seus gemidos. Toma-me todo, pois assim desejo e esse desejo não tem fim. Toma-me todo, leve-me a loucura, deixe-me enlouquecer entre suas pernas. Massageie seus pés em mim, beba-me como o primeiro e o último gole de vinho. Não se sacie, transborde em mim sua saliva e faça em mim o seu ninho... nas folhas secas de outono de amor e mistério. Faça-me fechar os olhos e deixe que pela manhã minha boca conduza nossas almas ao paraíso, lá onde os corvos não se aninham. Toma-me todo. Arrepia-me e cuspa sob a áurea da eternidade o que há de mais puro e nostálgico. É lá onde quero ficar, dormir e descansar. Toma-me, toma-me todo. E que assim seja até o dia em que em meu túmulo eu possa debaixo da terra sentir a chuva cair...

Discordar de nosso próprio desejo (Contardo Calligaris)


Folha de São Paulo, 20 de agosto de 2009.
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Um terapeuta deve deixar suas opiniões e crenças no vestiário do consultório, a cada dia
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EM 31 de julho, o Conselho Federal de Psicologia repreendeu a psicóloga Rozângela Alves Justino por ela oferecer uma terapia para mudar a orientação sexual de pacientes homossexuais. Não quero discutir a "possibilidade" desse tipo de "cura" (afinal, reprimir o desejo dos outros e o nosso próprio é uma atividade humana tradicional), mas me interessa dizer por que concordo com a decisão do Conselho.

A revista "Veja" de 12 de agosto publicou uma entrevista com Alves Justino, na qual ela explica sua posição. No fim, a psicóloga manifesta seu temor do complô de um "poder nazista de controle mundial", que estaria querendo "criar uma nova raça e eliminar pessoas", graças a políticas abortistas, propagação de doenças sexualmente transmissíveis etc.

Para ser psicoterapeuta, não é obrigatório (talvez nem seja aconselhável) gozar de perfeita sanidade mental. É possível, por exemplo, que um esquizofrênico, mesmo muito dissociado, seja um excelente psicoterapeuta (há casos ilustres). Mas uma coisa é certa: para ser terapeuta, ser inspirado por um conjunto organizado de ideias persecutórias é uma franca contraindicação.

Na verdade, pouco importa que as ideias em questão sejam ou não persecutórias e delirantes: de um terapeuta, espera-se que ele deixe suas opiniões e crenças (morais, religiosas, políticas) no vestiário de seu consultório, a cada manhã. Quando, por qualquer razão, isso resultar difícil ao terapeuta, e ele sentir a vontade irresistível de converter o paciente a suas ideias, o terapeuta deve desistir e encaminhar o caso para um colega. Por quê?

Alves Justino, com sua aversão por homossexualidade, sadomasoquismo e outras fantasias sexuais, ilustra a regra que acabo de expor. Explico.

A psicóloga defende sua prática afirmando que a psiquiatria e a psicologia admitem a existência de uma patologia, dita "homossexualidade ego-distônica", que significa o seguinte: o paciente não concorda com sua própria homossexualidade, e essa discordância é, para ele, uma fonte de sofrimento que poderíamos aliviar -por exemplo, conclui Alves Justino, reprimindo a homossexualidade.

De fato, atualmente, psiquiatria e psicologia reconhecem a existência, como patologia, da "orientação sexual ego-distônica"; nesse quadro, alguém sofre por discordar de sua orientação sexual no sentido mais amplo: fantasias, escolha do sexo do parceiro, hábitos masturbatórios etc. Existe, em suma, um sofrimento que consiste em discordar das formas de nosso próprio desejo sexual, seja ele qual for (alguém pode sofrer até por discordar de sua "normalidade"). Pois bem, nesses casos, o que é esperado de um terapeuta?

Imaginemos um nutricionista que receba uma paciente que se queixa de seu excesso de peso, enquanto ela apresenta uma magreza inquietante: ela tem asco da forma de seu próprio corpo, que ela percebe como enorme e que ela não aceita como seu. O nutricionista não tentará nem emagrecer nem engordar sua paciente, pois o problema dela não é o peso corporal, mas o fato de que ela discorda de si mesma a ponto de não conseguir enxergar seu corpo como ele é.

No caso da orientação sexual ego-distônica, vale o mesmo princípio: o problema do paciente não é seu desejo sexual específico, mas o fato de que ele não consegue concordar com seu próprio desejo, seja ele qual for. As razões possíveis dessa discordância são múltiplas. Por exemplo, posso discordar de meu desejo sexual porque ele torna minha vida impossível numa sociedade que o reprime (moral ou judicialmente) e cujas regras interiorizei. Ou posso discordar de meu desejo porque ele não corresponde a expectativas de meus pais que se tornaram minhas próprias. E por aí vai.

Nesses casos, o terapeuta que tentar resolver o problema confiando em sua visão do mundo e propondo-se "endireitar" o desejo de quem o consulta, de fato, só agudizará o conflito (consciente ou inconsciente) do qual o paciente sofre. Ora, é esse conflito que o terapeuta deve entender e, se não resolver, amenizar, ou seja, negociar em novos termos, menos custosos para o paciente. Em outras palavras, diante da ego-distonia, o terapeuta não pode tomar partido nem pelo desejo sexual do paciente, nem pelas instâncias que discordam dele.

Ou melhor, ele pode, sim, só que, se agir assim, ele deixa de ser terapeuta e vira militante, padre ou pastor.

Cinza


Hoje o céu acordou cinzento. Abri minha janela, preparei meu café... e sem querer comecei a contemplar esse céu triste e melancólico. Na verdade ele é de uma beleza rara. O sol escondido atrás das sombrias nuvens de prata... dissipa as trevas e a ilumina. As partículas ínfimas de chuva, uma garoa rasa que sinto em meu rosto... O vento gelado, o som dos pássaros sempre dispostos à música... Tudo fica de repente introspectivo... Tudo ao redor se torna sabedoria, reflexão, comunhão... Esse tempo me solicita à poesia, me convida à solidão, onde posso durante horas rastrear dentro de mim pedaços perdidos de uma existencia cambaleante... rir, chorar, lembrar, inventar, sofrer, amar, querer viver, querer dormir, amigos, família, vivos e mortos preenchem nossas vidas... mas por um momento o mais estranho de tudo é um sentimento de saudade... que me traz consolo e alegria só que ao mesmo tempo assombro: afinal, sinto saudades de nada, de tudo e de algo que ainda não sei o nome... volto ao meu café e descubro: - Sou eu, ausência preenchida...

Ah... O Sofrer... (T. Villano)


Por que, às vezes, sabemos o que nos fará sofrer e mesmo assim corremos em sua direção?

Por que aquilo que mais nos fere ou feriu ainda persiste? Por que simplesmente pensamos com amor próprio o suficiente para esquecer quem não foi capaz de nos amar, quem nos despreza, quem dispensa nossa presença?

Deu uma segunda chance? Sofrimento... Voltou a procurar aquela pessoa que no fundo você mesmo sabia que não deveria? Sofrimento...

Acho que no fundo devemos nos livrar do sentimento de esperança. Devemos esquecer aquele sentimento que diz: se eu tivesse agido assim ou de outro jeito, talvez as coisas seriam diferentes... Não seriam, sabem por que? Porque não existe um manual a seguir que nos garanta que dará certo. O ser humano escapa as regras, as teorias... Se der certo dará! Não há garantias e é isso o que faz da vida uma caixa de surpresas, e por vezes, uma caixa de Pandora. Mas de que valeria a pena se soubéssemos cada passo a seguir? Se soubéssemos tudo o que fosse acontecer conosco? Muitas vezes ficaríamos felizes antecipadamente e outras, sofreríamos terrivelmente antes da tragédia.

Como diria um velho mestre: “A esperança é o pior dos males”. Nos conta ele que é por causa da esperança que deixamos de viver o momento presente, que nos resignamos e paralisamos nossa vida num eterno es-perar... Ás vezes podemos realmente estar buscando sofrer intencionalmente ou intencionalmente para talvez nos livramos do tédio ou da chatice de nossas vidas... Confrontamos assim os momentos bons com os ruins. Queremos na realidade a resposta ao grande paradoxo da existência, queremos a árvore do conhecimento que nos reconduziria a reconstrução dos pedaços quebrados do vaso de nossa vida. Mas, quando algo se quebra, farelos e lascas sempre ficarão irrecuperáveis. Então, sonhar é a única saída... e quando despertarmos, que venha a vida com toda a sua beleza e com toda a sua tragédia... que as feridas se curem...

Para Além da curva da estrada - Fernando Pessoa


Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma...

Clarice, sempre ela...


Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: - E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre... (Clarice Lispector)

Obediência


O que há de ético na obediência? Se a meta de alguém for a simples obediência, poderia um cão ser treinado para preencher os mesmos requisitos. Na verdade, o cão teria mais ética uma vez que não pode carregar consigo a possibilidade de uma explosão neurótica, na forma de um acidente de desobediência ou um protesto contra uma liberdade reprimida ou negada (Rollo May)

Ordem...


Se tal cidade existe no céu ou existirá um dia na terra, o sábio viverá à sua maneira e não quererá saber de qualquer outra, assim colocará em ordem a sua casa (Sócrates)