C. Calligaris

(...)

"A união faz a força". Mas faz a força a que preço? Uma história recente dizia que a massa era poderosa e irresistível, mas irremediavelmente burra e cruel. Meus pais tinham conhecido os 20 anos do fascismo italiano e assistiam ao desastre do socialismo real, manifesto (para quem quisesse ler e ouvir) desde os anos 50. Não seria no Brasil de hoje que eles seriam desmentidos: partidos e movimentos, sobretudo quando têm uma forte coesão, parecem ser sempre piores do que as pessoas que os compõem.

Mais tarde, consagrei minha tese de doutorado a esta pergunta: como é possível que homens quaisquer, como você e eu, sejam levados a funcionar como o braço armado de genocídios e extermínios que repugnariam a suas consciências se eles agissem sozinhos? Cheguei a uma conclusão que tento resumir: não é por medo de punições nem por convicção ideológica. É porque, para o sujeito moderno, tanto a dúvida sobre quem ele é quanto a incerteza sobre o que ele quer da vida são fardos imensos. Ele pode ser levado, portanto, a sacrificar sua individualidade à condição de que o grupo lhe ofereça a ilusória impressão de "saber" quem ele é e quais são suas tarefas. Um homem qualquer pode colocar fogo numa sinagoga repleta ou despedaçar nenês contra uma parede para ganhar o "conforto" de sentir-se parte eficiente de um grupo.

A desconfiança dos grupos não se desmentiu quando me ocupei um pouco da função da turma e da gangue (sobretudo adolescente) na violência criminosa. Por caminhos psicológicos um pouco diferentes, aqui também o grupo potencializa o que há de pior em alguns de nós. Sentir-se reconhecido pelos "compadres" é uma razão suficiente para esquecer-se de inibições e freios morais básicos. Os quatro rapazes que, em 1997, em Brasília, queimaram vivo o índio Galdino, tomados um a um, nunca teriam perpetrado aquele horror.

Aparte: a sedução do grupo não constitui um atenuante. Ao contrário, a covardia que leva alguém a trocar sua humanidade pelo conforto coletivo é, a meu ver, uma agravante.

Dos grupos só se salvaria, em princípio, a família: já em 1812, o alemão J.D. Wyss publicara "Os Robinsons Suíços", em que transformava a gloriosa solidão de Robinson Crusoé no ideal da vida familiar numa ilha deserta. A idéia alimentou um seriado televisivo americano nos anos 60. Na mesma linha e época, a família de "Perdidos no Espaço" chamava-se Robinson. Mas, desde os anos 70, a antipsiquiatria inglesa (Laing, Cooper, Esterson) mostrava que a família era a fonte originária do sofrimento neurótico e da loucura.

Em suma, durante os dois últimos séculos, inventamos utopias coletivas, mas elas devoram nossa liberdade; sonhamos com o calor do lar, mas ele parece ser responsável por muitos de nossos males. Atrás da "união que faz a força", paira o medo (justificado) de que, nessa união, nossa singularidade perca o melhor de si. E, atrás do sonho de Robinson, paira o pavor (também justificado) de uma solidão sem conforto.

Para lidar com esse paradoxo, quando sou chamado a "ajudar" grupos em dificuldade (famílias e casais), adoto um pequeno artifício: em vez de explorar as falhas (ou seja, em vez de perguntar o que cada um estima estar perdendo por causa da relação), tomo, às vezes, o caminho oposto e pergunto o que cada um estima estar ganhando na convivência com o outro.

É pouco, mas é um jeito de as pessoas se lembrarem de que, apesar de todos os pesares, vale a pena pagar um preço para elas não viverem sozinhas. Claro, depende do preço.

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